Coração de dom Pedro 1º chega a Brasília; órgão está preservado em formol há 188 anos
Uma molécula composta por quatro átomos responde pelos quase 188 anos de conservação do coração de d. Pedro 1º, morto em 24 de setembro de 1834 em decorrência da tuberculose. O órgão, recebido no Brasil nesta segunda (22) em cerimônia como as organizadas para chefes de Estado, está imerso em uma solução de metanal (H2CO) e água, o famoso formol.“Não é mágica, é formol em um recipiente fechado, que impede o contato com o ambiente externo”, diz Luís Otávio Carvalho de Moraes, professor de anatomia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
No caso do coração do imperador, o recipiente é um suporte de vidro que, tradicionalmente, fica trancado a cinco chaves na Igreja da Lapa, na cidade do Porto, em Portugal. O órgão foi trazido ao Brasil para as comemorações dos 200 anos da Independência e retornará ao solo português em 8 de setembro.
O formol é utilizado por sua capacidade de impedir a destruição de células e tecidos. Assim que o indivíduo morre ou um fragmento de tecido é retirado de um indivíduo vivo, o processo de respiração celular cessa, iniciando um processo que leva à destruição da célula e do tecido que ela compõe, como explica a professora Silvia Lacchini, coordenadora do Museu de Anatomia Humana Prof. Alfonso Bovero, da USP (Universidade de São Paulo).
“Para parar ou prevenir esse processo, é necessário usar algum tipo de fixador, e o mais conhecido e usado é o formol. Como ele é capaz de entrar na célula e se ligar a proteínas, mudando a sua estrutura, realiza um processo chamado de coagulação ou denaturação, prevenindo a autólise [destruição celular]”, complementa a professora.
Além disso, o formol tem efeito sobre microrganismos, prevenindo sua ação sobre a decomposição de tecidos. Ele, contudo, não consegue garantir a manutenção de certas características do material. “Os órgãos nunca terão a coloração original anterior à morte porque não há circulação sanguínea, oxigenação, alimento”, comenta o professor da Unifesp Sergio Ricardo Marques.
Para manter a capacidade de preservação, os docentes explicam que a solução precisa ser trocada com certa periodicidade. No caso do Museu de Anatomia Humana Prof. Dr. Renato Locchi, da Unifesp, Moraes conta que a substituição ocorre a cada seis meses ou anualmente, aproveitando a oportunidade para limpeza dos recipientes de vidro e acrílico em que as peças ficam expostas. Nessas ocasiões, a equipe utiliza água, sabão e, algumas vezes, álcool.
Antes da deposição do órgão no recipiente, porém, é realizada uma técnica que consiste na injeção de formol. “Quando chega o cadáver, primeiro fazemos a fixação por formol. Retira-se todo o sangue e injeta-se formol pela via femoral. Ele passa horas nesse processo de fixação e, caso esteja prevista a retirada de algum órgão, também injetamos formol diretamente nesse órgão. Depois disso é que colocamos esse material em um recipiente fechado”, detalha Moraes.
Ele ressalta, porém, que não é possível garantir que esse tenha sido o processo em d. Pedro 1º. Como o uso exclusivo do formol na preservação de corpos foi descrito em 1859 —25 anos após a morte do imperador—, é possível que a fixação tenha sido realizada com uma mistura com outra substância. “A cultura de preservação de corpos é algo muito antigo na história humana, o método é que vai mudando”, explica.
Stefhanie Piovezan/Folhapress
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