Ordem controversa do STF contra bolsonaristas acirra clima entre Poderes

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de autorizar buscas contra empresários bolsonaristas gerou nesta terça-feira (23) novos atritos entre o Planalto e o Judiciário a pouco mais de um mês das eleições.

Os alvos da operação pedida pela PF (Polícia Federal) e autorizada por Moraes foram empresários que, em um grupo de mensagens privadas no WhatsApp, defenderam um golpe de Estado caso o ex-presidente Lula (PT) vença Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais de outubro.

Além das buscas, Moraes determinou que os empresários sejam ouvidos pela PF e o bloqueio de suas respectivas redes sociais. A operação irritou o procurador-geral da República, Augusto Aras, e gerou questionamentos de advogados.

Entre os alvos estiveram Luciano Hang, da Havan, José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan, Ivan Wrobel, da Construtora W3, José Koury, do Barra World Shopping, André Tissot, do Grupo Sierra, Meyer Nigri, da Tecnisa, Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii, e Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu.

As conversas entre os empresários foram reveladas pelo site Metrópoles. Após a divulgação das mensagens, participantes do grupo negaram intenção golpista.

O próprio Bolsonaro se queixou nesta terça-feira (23) da medida adotada por Moraes. Como mostrou a coluna Mônica Bergamo, o presidente, durante um almoço reservado em São Paulo, argumentou que as ações adotadas por Moraes foram desproporcionais.

“Vocês acham que é proporcional bloquear as contas bancárias dessas pessoas [empresários que defendem golpe]? Tem justificativa uma medida desse tamanho?”, disse Bolsonaro no encontro reservado, segundo relatos dos participantes.

De acordo com os mesmos relatos, Bolsonaro ainda questionou quem, afinal, é a favor da liberdade, se ele ou “os outros”. Aliados no Palácio do Planalto fizeram eco à retórica do presidente.

Em outro momento do encontro, de acordo com interlocutores, Bolsonaro disse aos presentes que não foi procurado por nenhum dos empresários envolvidos sobre a possibilidade de um golpe militar.

Ele evitou citar Moraes diretamente em suas críticas, disseram à Folha pessoas que acompanharam sua fala.

O ministro da Justiça, Anderson Torres, disparou por sua vez críticas duras contra a determinação de Moraes. “Não podemos começar a achar normal a forma como as coisas vêm acontecendo no Brasil. A polícia entrando na casa das pessoas, Justiça bloqueando suas contas e quebrando seus sigilos bancários, por conta de elas estarem emitindo opiniões pessoais em um grupo fechado de WhatsApp. Isso beira o totalitarismo”, afirmou.

“Vocês já imaginaram se essa mesma lógica fosse usada para todos os que já ameaçaram abertamente o presidente Bolsonaro? Quantas pessoas já não estariam presas?”

O tom foi seguido pelo vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul. Para ele, a ação contra os empresários é “lamentável”, “autoritária” e “ilegal”.

As buscas contra os empresários foram autorizadas por Moraes e têm como base um pedido da PF, no âmbito do inquérito do STF sobre as milícias digitais, que mira uma suposta organização criminosa responsável pela disseminação de fake news e ataque às instituições.

Moraes também autorizou o bloqueio de contas nas redes sociais e quebras de sigilos bancário e telemático dos alvos. Os mandados foram cumpridos por agentes da PF no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará.

Em uma das mensagens reveladas pelo portal Metrópoles, o empresário José Koury diz preferir um golpe à volta do PT e que “ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil” caso o país vire uma ditadura.

André Tissot, do grupo Sierra, em outra postagem disse que “o golpe teria que te acontecido nos primeiros dias de governo. “[Em] 2019 teríamos ganhado outros dez anos a mais”, afirmou.

Koury, segundo o Metrópoles, também chegou a sugerir o pagamento de bônus a funcionários que votassem seguindo a indicação dos empresários. A possibilidade foi alvo de comentário de Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii, que lembrou a possibilidade de a proposta configurar compra de votos.

No pedido, a PF indica que as buscas têm como objetivo entender a atuação do grupo de empresários em uma possível tentativa de planejar e apoiar ações no sentido de ruptura do Estado democrático Direito.

O crime é previsto no artigo 359-L no Código Processo Penal. “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, diz trecho do artigo citado pela PF.

Outros interlocutores no governo classificaram a ordem como absurda e disseram que os atingidos pelas buscas da PF deveriam estar amparados pelo direito à liberdade de expressão.

Conselheiros de Bolsonaro da ala política trabalham, no entanto, para que a operação da Polícia Federal não inviabilize a trégua entre Bolsonaro e Moraes. Recentemente, ministros palacianos têm articulado uma aproximação com o novo presidente do TSE, ventilando o argumento de que o chefe do Executivo estaria disposto a reduzir o tom golpista de suas falas caso o tribunal aceite mudanças no sistema eletrônico de votação sugeridas pelas Forças Armadas.

Pessoas próximas a Moraes negam que ele tenha feito um acordo nesses termos.

Durante entrevista na segunda (22) no Jornal Nacional, da Rede Globo, Bolsonaro tratou de Moraes em tom elogioso.

“Hoje em dia, pelo que tudo indica, está pacificado. Espero que seja uma página virada. Até você deve ter visto, por ocasião da posse do senhor Alexandre de Moraes, um certo contato amistoso nosso lá; e, pelo que tudo indica, está pacificado”, disse o presidente na sabatina, ao ser questionado sobre seus ataques às urnas eletrônicas e sobre o relacionamento com o Judiciário.

Um dos argumentos citados por assessores de Bolsonaro de que a tentativa de aproximação não deve ser abandonada é o encontro, realizado nesta terça (23), entre Moraes e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.

Em conversas reservadas, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avaliou que o gesto de Moraes pode implodir os esforços de atores do Executivo e do Judiciário em busca de um acordo que faça Bolsonaro interromper os ataques contra integrantes de tribunais.

Aras indicou a interlocutores ter ficado indignado com o fato de a PGR (Procuradoria Geral da República) só ter sido intimada para acompanhar as ações contra os apoiadores de Bolsonaro na véspera da operação, com pouca margem para opinar a respeito das diligências que haviam sido autorizadas por Moraes.

Pela manhã, o procurador-geral já havia dito a pessoas próximas que não ter sido notificado da decisão ou ouvido sobre as ações que seriam tomadas. À tarde, em nota, o chefe da PGR afirmou que não houve intimação pessoal da ordem assinada por Moraes e que somente nesta terça tomou conhecimento do teor.

Houve, ainda segundo o comunicado, “apenas entrega —em procedimento não usual— de cópia da decisão [de Moraes], na tarde dessa segunda-feira (22), em sala situada nas dependências do STF, onde funciona unidade de apoio aos subprocuradores-gerais da República e ao PGR”.

Moraes rebateu a versão de Aras. Também em nota, o gabinete do ministro afirmou que a PGR foi intimada pessoalmente da decisão na segunda (22) às 14h41 e que pouco depois, às 15h35, o documento foi enviado para a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, tendo sido recebido às 16h40 pelo gabinete.

Fabio Serapião , Marcelo Rocha , Julia Chaib , Marianna Holanda , Mateus Vargas e Cézar Feitoza/Folhapress

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