Como André Janones virou o ‘cachorro louco’ e o ‘Carlucho do bem’ de Lula

Há quem chame André Janones (Avante-MG) de piromaníaco, dada a habilidade em tocar fogo no debate. Circulam em Brasília outros apelidos para esse deputado federal em primeiro mandato que, há até pouco tempo, ocupava o rodapé do noticiário político.

“Cachorro louco”, pela forma indômita com que se atraca com asseclas de Jair Bolsonaro (PL), seus arqui-inimigos desde que desistiu de disputar a Presidência para apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na mesma linha, já foi definido por um aliado como “Carlucho do bem”, versão lulista do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), o cão de guarda do pai nas redes sociais.

O ex-petista de 38 anos evoca sensações ambíguas no partido que deixou dez anos atrás. A boa notícia para a sigla é que ele é um fenômeno digital, com 10,7 milhões de seguidores ao todo em Facebook, Instagram, Twitter e TikTok –acima de influencers conservadores como Silas Malafaia (8,4 milhões).

Janones é versado na linguagem das redes, campo em que a direita costuma ir melhor. Hábil em furar a bolha da esquerda, já criticou, por exemplo, a carta pela democracia lida na Faculdade de Direito da USP. Não pelo que diz, mas por como diz. O povão não entende “o linguajar da elite intelectual”, reclamou.

O tom belicoso, por outro lado, incomoda uma ala petista, que teme contaminações na imagem moderada que quer grudar em Lula. Há receio, ainda, que Janones ganhe muito poder na campanha. O deputado Rui Falcão, ex-presidente do PT, tentou traçar um limite ao reduzir seu papel ao de “um freelancer”.

Janones fez jus à fama de fio desencapado no debate do último domingo (28), quando xingou e foi xingado pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, um barraco registrado por celulares ao redor.

O deputado se aproximou para gravar um vídeo enquadrando Salles, que tinha acabado de chamar Lula de mentiroso. Ameaçou “plantar uma árvore na porta da casa dele”, contou depois.

O bolsonarista o recebeu aos berros de “seu bosta” e “rachadones”, referência a uma suspeita levantada por um ex-assessor de que Janones fez “rachadinha” em seu gabinete, a mesma prática ilegal imputada ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos). O deputado devolveu o “seu bosta” para Salles, acrescentou um “miliciano vagabundo” e desafiou: “Bate aqui, machão”. A dupla foi separada por seguranças.

O novo amigo de Lula já tinha provocado a claque bolsonarista antes, com uma selfie não solicitada com o vereador de Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PL). Dias antes, tinha dito que convocaria Alexandre Kalil (PSD), candidato de Lula ao Governo de Minas Gerais, para dar “umas palmadas” no conterrâneo.

“Cheio de gado frouxo por aqui”, postou no Twitter junto com a foto. No dia seguinte, Ferreira publicou um vídeo comparando o parlamentar ao burro da animação “Shrek”.

Janones conseguiu o que queria: pôr um bolsonarista na defensiva. “A armadilha das redes é que, se você entra em pauta, deixa que o outro te paute”, disse à Folha uma semana antes do bate-boca público.

A estratégia bebe da fonte que energizou o bolsonarismo: dominar o falatório, sobretudo o das redes, e impor a narrativa antes que o outro lado tenha chance de respirar. Daí a meta de tirar adversários do sério.

Já tentou atiçar Bolsonaro (“seu merda”), que falava ao vivo na Jovem Pan. Chegou a sugerir que ele tinha ligação direta com o assassinato da vereadora do PSOL Marielle Franco. Instado por apresentadores do “Pânico”, Bolsonaro foi breve ao comentar sobre Janones, numa descrição que caberia a si mesmo nos tempos de deputado: “Ele não tem relacionamento com ninguém do Parlamento. Ele quer aparecer”.

Já Carlos acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) contra Janones, que correu às redes para capitalizar o episódio. “Carlos Bolsonaro acaba de ingressar com ação no STF pedindo R$ 20 mil por eu ter emitido a opinião de que ele é miliciano, bandido e vagabundo! Faz por R$ 10 mil? Pago em dinheiro ‘vivo'”, referindo-se à compra de imóveis da família Bolsonaro com dinheiro em espécie.

“Ele sempre foi esse cara que usa bem a internet”, diz Carlos Zarattini, seu colega na Câmara. Petistas como ele, admite, não são tão ágeis no tatame virtual. “A gente não tem essa característica de lacrar, e você tem que lacrar. O Janones terminava o discurso na tribuna e emendava uma live metendo bronca.”

O estilo não é unânime no partido, mas tem seus trunfos, afirma Zarattini. “Ele obriga os caras a responderem, e isso evidentemente nos ajuda.”

Janones é vaidoso de sua expertise digital. Riu de Bolsonaro comemorando “míseros 550 mil de audiência ao vivo” no Flow Podcast e se gabou do “recorde mundial de 3,3 milhões” de visualizações numa live.

Foi em setembro de 2020, durante a pandemia de coronavírus, quando, em transmissão no Facebook, defendeu manter o auxílio emergencial em R$ 600 –o governo pretendia reduzi-lo à metade. O vídeo de menos de cinco minutos gerou quase 180 mil comentários e, de fato, bateu recorde de acessos simultâneos na plataforma, lembra o pesquisador Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, que na época observou os dados pela ferramenta de análise Crowdtangle.

Quando faz convocações virtuais, Janones escreve em caixa alta. Com frequência, usa “ATENÇÃO” ou “URGENTE” no início e não costuma perder a energia da oratória até o fim da transmissão. Agrega quase 8 milhões de seguidores só no Facebook –mais que Lula, Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) juntos.

Quando desistiu da disputa à Presidência, reunia 1% das intenções de voto em pesquisa do Datafolha. O PT já investia para construir a aliança, com ligações e elogios públicos de Gleisi Hoffman, presidente do partido. Foi pela rede que oficializou o respaldo ao PT. “Quis, antes de comunicar à imprensa, comunicar a vocês, em primeira mão, que Lula está encampando nossas propostas pelo auxílio”, disse, com o petista ao lado.

Como cabo eleitoral do ex-presidente, precisou ficar mais ativo no Twitter. Seu número de seguidores chegou a crescer 30% de uma semana para a outra, de acordo com a consultoria Quaest. No dia seguinte à briga com Salles, ganhou quase 25 mil seguidores.

Até julho, o deputado era mais um no pelotão de nanicos desta eleição. Teve em abril seu momento de inglória ao responder, na GloboNews, que o presidente da Argentina se chamava Emmanuel Macron, na verdade o titular da França —depois buscou remediar dizendo que entende de realidade brasileira “muito mais do que de política externa” e poderia listar “a cesta básica inteira”.

Não raramente o confundiam com um representante da direita, pela projeção que ganhou na Greve dos Caminhoneiros de 2018, encampada em peso pelo bolsonarismo. Sem nunca ter cruzado o país na boleia de um caminhão, virou um agitador das redes, com a mesma sanha incendiária que traz para o pleito de 2022. Chamava de safado Michel Temer, então presidente, em vídeo visto mais de 14 milhões de vezes.

Após tentativa frustrada de se eleger prefeito da sua cidade natal dois anos antes, o mineiro de Ituiutaba, cuja população é de cerca de 100 mil pessoas, garantiu sua vaga no Congresso com 178,6 mil votos. Ao ser diplomado deputado, pediu que não contassem com ele para defender nem Lula nem Bolsonaro.

Ele foi filiado ao partido de 2003, ano 1 do governo Lula, a 2012. Contou ao UOL, no início do ano, ter ficado desiludido com o que o PT havia virado: uma seita. Dali pulou para o PSC e, depois, ao Avante.

No Congresso, compra brigas pelos previdenciários —foi contra a reforma no setor aprovada no primeiro ano do governo Bolsonaro. Janones gosta de destacar a origem pobre. A mãe é empregada doméstica, e o pai, cadeirante, morreu quando o filho era bebê. Formou-se em direito com uma bolsa para alunos carentes, enquanto trabalhava como cobrador de ônibus.

No campo amoroso, já se relacionou com Íris Stefanelli, ex-BBB por quem diz ter profundo respeito. “Alguém que teve que vencer preconceitos e trabalhar muito para conquistar seu espaço. Admiração resume”, escreveu no Twitter quando fotos suas ao lado de Íris vieram à tona.

Em 2016, veio a conversão evangélica. Está até hoje na Batista da Lagoinha, igreja da família Valadão, próxima ao clã Bolsonaro. A fé não o levou a incluir seu nome na Frente Parlamentar Evangélica.

Diz achar “extremamente perigosa” a mistura de religião e política. “Para mim, essas pessoas são ateias”, afirma sobre pastores que ajudam a campanha de Bolsonaro. “Não acredito que sejam cristãs.”

Fogo no parquinho.

Anna Virginia Balloussier e Paula Soprana/Folhapress

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