Partidos se aliam até a rivais e formam mais de cem coligações nas eleições 2022
Enquanto luta do “bem contra o mal” e polarização entre “nós e eles” dão o tom de uma campanha eleitoral marcada por episódios de violência política, partidos relativizam questões ideológicas e rivalidades nacionais ao formar coligações para as disputas nos estados.
No Ceará, por exemplo, o progressista PSOL e o conservador PRTB caminham de mãos dadas pela eleição de Elmano de Freitas (PT) ao governo. As legendas ocupam posições opostas no espectro político, como reforça a métrica criada pela Folha para situar ideologicamente os partidos brasileiros.
Considerando seis dos sete indicadores calculados —à exceção justamente das coligações–, o PSOL aparece próximo a 3, e o PRTB, a 98, em uma escala variando de 0 a 100 do ponto mais à esquerda ao mais à direita (veja a metodologia).
O grupo de apoio a Freitas no Ceará tem ainda o PC do B e o PP, posicionados com 15 e 94, respectivamente, nesta mesma régua. Rede, PV, Solidariedade e MDB completam a coalizão.
Para as eleições deste ano, os partidos formaram 146 coligações, de acordo com os dados das candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Das 32 legendas, apenas PCB, PCO e PSTU não participam de nenhuma composição.
No Pará, a articulação em torno da reeleição do governador Helder Barbalho (MDB) uniu 16 partidos, formando assim a maior coligação do país em 2022.
O arranjo coloca no mesmo palanque cinco siglas posicionadas à esquerda (PT, PC do B, PSB, PDT e PV), seis ao centro (Cidadania, Avante, PSD, MDB, PSDB e Podemos) e outras cinco à direita (Republicanos, DC, PTB, PP e União Brasil).
A extensão da aliança levou Barbalho a se equilibrar entre acenos aos presidenciáveis que o apoiam. Além de Simone Tebet, do próprio MDB, a campanha reúne as legendas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Soraya Thronicke (União). E conta ainda com PP e Republicanos, duas das três siglas que sustentam a candidatura de Jair Bolsonaro (PL).
Protagonistas no principal embate nacional, entre Lula e Bolsonaro, PT e PL não aparecem juntos em nenhuma coligação, mas não se furtaram de parcerias com aliados diretos do rival.
O partido de Bolsonaro se associou em três estados ao PSB de Geraldo Alckmin, candidato a vice-presidente na chapa de Lula. Em Roraima, por exemplo, as duas siglas apoiam o nome de Romero Jucá (MDB) para o Senado.
O PL participa ainda de coalizões com Solidariedade, Agir, Avante e Pros, outras legendas da base de apoio à candidatura petista à Presidência. Também se aliou ao PDT, de Ciro Gomes.
“Não podemos errar. Sabemos que é uma luta do bem contra o mal. O lado de lá quer o comunismo […] Essa praga sempre está contra a população”, afirmou Bolsonaro durante evento de campanha no Tocantins, referindo-se à corrida presidencial contra Lula.
Já o PT costurou seis alianças com o PP do ministro Ciro Nogueira e três com o Republicanos, sigla ligada à Igreja Universal do Reino de Deus. Apoia, por exemplo, a candidatura de Neri Geller (PP) ao Senado pelo Mato Grosso.
Além disso, o partido de Lula está associado em ao menos um estado com PSC, Patriota, União Brasil, PTB, PRTB e DC, siglas posicionadas à direita no espectro político nacional.
“A polarização é saudável. O importante é não confundir com estímulo ao ódio […] Agora, nós precisamos vencer o antagonismo do fascismo e da ultradireita”, disse Lula ao ser questionado sobre a expressão “nós contra eles” em sabatina no Jornal Nacional.
As maiores alianças, obviamente, são aquelas formadas pelas federações, uma novidade desta edição. Na prática, é como se as siglas federadas funcionassem como um único partido por quatro anos.
PSOL e Rede aparecem lado a lado em 28 coligações, assim como PT, PC do B e PV. Isto é, caminham juntos em todos os estados, no Distrito Federal e também no pleito presidencial. PSDB e Cidadania estão unidos em 27, pois não lançaram nem apoiaram candidatos para governador ou senador no Rio Grande do Norte.
Fora das federações, a parceria mais recorrente é entre o PSB e o trio que sustenta a candidatura de Lula à Presidência. O partido de Alckmin se coligou ao grupo formado por PT, PC do B e PV em 14 unidades da federação e também na corrida presidencial.
Na sequência aparecem as alianças formadas por MDB e Podemos, União Brasil e Republicanos, e PP e Solidariedade, com 14 coligações entre si.
Os partidos que se aliaram a mais siglas diferentes são MDB, PP e Solidariedade, com um leque de 27 parceiros dentre 31 possíveis.
A análise sobre a coerência ideológica e programática das coligações está baseada na métrica criada pela Folha para posicionar os partidos no espectro político nacional.
A afinidade entre as siglas foi calculada a partir de seis indicadores: votação dos deputados na Câmara, migração partidária, formação de frentes parlamentares, autodeclaração dos congressistas, opinião de especialistas e posicionamento no GPS Ideológico, atualizado neste ano.
Para inferir o posicionamento de cada partido, o modelo estatístico avalia como as siglas se comportam em relação a cada um desses quesitos. Nos casos em que não existem dados para uma legenda –se não possui congressistas eleitos, por exemplo–, o modelo estima o valor do quesito faltante a partir dos demais e, aplicando os devidos pesos, calcula a métrica final.
Segundo a cientista política Graziella Testa, os acordos tendem a refletir a formação de grupos políticos regionais, cuja organização nem sempre se dá em torno de questões ideológicas. A professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) avalia que o fim das coligações nas eleições proporcionais –para vereador e deputado– reduz as contradições geradas por esse tipo de composição.
“Isso era um problema mais grave quando a coligação contava para a distribuição de votos e o quociente eleitoral. Isso fazia com que a vontade do eleitor fosse pouco respeitada. Essa mudança foi muito salutar na reforma política de 2017. É uma tentativa de federalizar as legendas. Mas é um processo. Até que esses grupos regionais se organizem em torno de ideologias, vai levar um tempo”, afirma.
Pelas regras atuais, as coligações são válidas apenas nas disputas majoritárias –para presidente, governador, senador e prefeito. Elas influenciam, por exemplo, no tempo destinado aos candidatos no horário eleitoral gratuito de televisão e rádio. Os acordos também podem incluir distribuição de cargos no governo.
O cientista político e professor da UFG (Universidade Federal de Goiás) Robert Bonifácio afirma que os partidos têm dificuldade para alcançar uma coerência político-programática nos 26 estados e no Distrito Federal. “O que predomina é a lógica regional, não a nacional. Isso tem se mostrado uma constante ao longo das décadas”, diz.
“A cláusula de desempenho fortalece esse aspecto, uma vez que tornou necessário um bom resultado nas urnas para os partidos continuarem recebendo dinheiro de fundo partidário e um bom espaço na propaganda eleitoral. O que se verá, cada vez mais, é uma diminuição do número efetivo de partidos enquanto durarem a cláusula e a impossibilidade de coligações proporcionais”, conclui.
Daniel Mariani, Diana Yukari e Cristiano Martins/Folhapress
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