TSE discute se boné é enfeite ou roupa típica da periferia

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai discutir um caso que, à primeira vista, nada tem a ver com as eleições: o boné é um enfeite ou uma roupa típica das periferias urbanas?

A resposta, contudo, terá impacto na foto da urna que será usada por Douglas Belchior, candidato a deputado federal pelo PT-SP, e pode alterar o entendimento de outros casos semelhantes.

É que, na foto original apresentada por sua campanha, Belchior traz na cabeça o boné de aba reta que quase sempre está usando. Basta uma pesquisa por seu nome no Google imagens para comprovar.

A Justiça Eleitoral, contudo, barrou a fotografia. Em primeira e segunda instâncias, considerou que o boné está vedado pela legislação e que o candidato deve aparecer sem a peça.

A resolução 23.609/2019 do TSE estabelece que a imagem da urna deve ser: “frontal (busto), com trajes adequados para fotografia oficial, assegurada a utilização de indumentária e pintura corporal étnicas ou religiosas, bem como de acessórios necessários à pessoa com deficiência”.

Em seguida, diz: “vedada a utilização de elementos cênicos e de outros adornos, especialmente os que tenham conotação de propaganda eleitoral ou que induzam ou dificultem o reconhecimento do candidato pelo eleitorado”.

Para o desembargador Silmar Fernandes, relator do caso no TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), o boné não se enquadra como indumentária; deve ser considerado um adorno que traz prejuízo ao livre exercício do direito ao voto.

“Caso fosse permitida a utilização da fotografia pretendida, haveria, além da já mencionada afronta ao livre exercício do voto, também ao princípio da isonomia, com tratamento privilegiado ao agravante”, afirma Fernandes.

O advogado Fernando Neisser, que atua em favor de Douglas Belchior, recorreu ao TSE. O processo está nas mãos do ministro Sérgio Silveira Banhos, que analisará os argumentos do candidato.

Por meio de seus advogados, Belchior argumentou que o boné se vincula a sua identidade sociocultural e que a resolução da corte eleitoral assegura a utilização de indumentária.

“Isto é, elementos, roupas, utensílios que remetem à determinada identidade de um povo ou de um grupo social”, dizem os advogados.

“É importante destacar que, erroneamente, muitas vezes associamos à palavra ‘indumentária’ somente às vestimentas características de grupos étnicos específicos (…) e nos esquecemos da interculturalidade existente nos centros urbanos brasileiros”, afirmam.

Belchior, também conhecido como Negro Belchior, mora no Jardim Santa Luiza, em Poá, na região metropolitana de São Paulo, e é cofundador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos.

Atua como educador na periferia e se engaja há muito tempo no combate ao racismo. Para ele, valorizar elementos da cultura negra faz parte dessa luta.

Daí porque a campanha de Belchior afirma: “A não autorização da utilização da fotografia configura uma repressão não só à identidade do candidato, mas também de toda uma comunidade representada por ele”.

O professor Hélio Santos, um dos principais ativistas da causa racial no país, reforça o ponto. “Os homens negros, jovens, usam bonés; os professores periféricos negros também. Douglas Belchior é um educador periférico e foi assim que ele construiu a sua imagem, usando boné.”

Na visão de Santos, como TSE tem feito esforços para que as eleições contemplem todos os grupos, barrar o boné entraria em colisão com esse entendimento recente da corte. “Não acho que esse contrassenso possa ser cometido”, diz.

No mês passado, num impasse semelhante, o TRE-PA (Tribunal Regional Eleitoral do Pará) vetou uma fotografia apresentada por Livia Noronha, candidata do PSOL a deputada estadual. Ela afirmou que o problema seria o uso do turbante na imagem.

Alguns dias depois, porém, o TRE-PA afirmou que se tratava apenas de uma questão de enquadramento. Com o envio de nova foto, a situação foi resolvida –com o turbante na cabeça.

Uirá Machado/Folhapress

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