Campanha eleitoral em igrejas chega a tribunais de 7 estados

Principal tema da corrida eleitoral deste ano, a campanha política dentro de templos religiosos só chegou à Justiça Eleitoral em sete estados do país, de acordo com Procuradorias, tribunais regionais e dados de Diários Oficiais.

As decisões com punição a candidatos ou pastores foram dadas apenas quando houve, na avaliação dos magistrados, pedido de voto. De acordo com a legislação, a multa prevista para esses casos pode variar de R$ 2.000 a R$ 8.000.

O valor mínimo foi aplicado ao ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato ao Governo de São Paulo, e ao senador eleito Marcos Pontes (PL-SP) por decisões do TRE-SP. Há registro de ações semelhantes em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Pernambuco, Santa Catarina e Goiás.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem feito discursos políticos em cultos desde a pré-campanha, não foi alvo de qualquer representação por este motivo pela Procuradoria Eleitoral ou pela campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As ações podem ser propostas tanto pelo Ministério Público como por candidatos adversários.

A legislação proíbe propaganda eleitoral em templos por considerarem esses espaços bens de uso comum do público. O trecho da Lei das Eleições que estabelece a vedação nivela as igrejas a cinemas, clubes, lojas e centros comerciais e tem a mesma punição de colocação de adesivos ou bandeiras nesses locais.

Especialistas afirmam que a punição prevista é muito baixa em comparação aos benefícios que a infração nos templos pode lhes proporcionar.

Em 2020, o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), quando estava no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), tentou criar uma punição para o abuso de poder religioso, equiparando a atuação de pastores como abuso de autoridade, em razão de seu poder de influência sobre a escolha de fiéis.

A mudança poderia gerar punições mais pesadas, como a cassação do diploma e inelegibilidade. Fachin, porém, foi derrotado por 6 a 1 após forte pressão da bancada evangélica, que alegava cerceamento à liberdade de expressão de pastores.

Tarcísio foi condenado na quinta-feira (20) a pagar R$ 2.000 em razão de discurso proferido durante evento religioso organizado pela Comunidade Aliança da Paz, no último dia 13, em São Bernardo do Campo. A representação foi feita pela campanha de Fernando Haddad (PT).

No evento, o ex-ministro foi apresentado como “futuro governador de São Paulo” e como sendo alguém “escolhido”. Ele discursou sobre sua campanha e elogiou Bolsonaro.

“Eu vi presidente da República clamar ao Senhor. Eu vi o presidente da República levar o povo de Deus para dentro do Palácio. Eu não tinha visto isso ainda em Brasília”, disse Tarcísio.

À Justiça Eleitoral o candidato disse que não houve pedido expresso de voto. Mas o desembargador José Antônio Mafré entendeu que as palavras do candidato “retratam a prática de propaganda irregular”. Ainda cabe recurso à decisão.

Marcos Pontes também foi multado no mesmo valor por propaganda no culto em comemoração pelos 80 anos da Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo. O caso viralizou nas redes sociais em razão da reação de um dos fiéis, criticando a ação política na igreja.

O mesmo valor foi imposto pelo TRE-MG ao bispo Lennon Santos, da Igreja Mundial do Poder de Deus, por ter defendido voto no candidato a deputado estadual bispo Bruno Santos (Patriota-MG). Ele também distribuiu santinhos no templo.

O advogado Mateus Abreu, que defendeu tese de doutorado sobre o tema na UFBA, afirma que a atualização da legislação eleitoral é necessária para evitar abusos.

“Não me parece que a legislação eleitoral tenha querido punir algumas formas de abuso de poder e deixar outras completamente impunes. O legislador não teria como, na época, prever todas as formas de abuso de poder”, disse Abreu, em referência à lei de 1997.

“Quando a igreja tenta incutir e pressionar nos fiéis em quem deve votar, é uma situação análoga ao empregador dizer ao seu empregado em quem ele deve votar com retaliação de demissão. No caso da comunidade religiosa é ser excluído. É uma espécie de coação moral.”

A procuradora eleitoral Silvana Batini, do Rio de Janeiro, afirmou que a atuação das igrejas na eleição se adaptou à legislação eleitoral com o tempo, mantendo, contudo, atuação, na avaliação dela, negativa na campanha.

“Sempre se enxergou a ação deletéria das igrejas nas eleições através do poder econômico que elas têm. As eleições deste ano estão empurrando essa questão, e a gente vê que não é só isso. É um poder de autoridade. Tem a ver com o temor, com o constrangimento, com a interferência na liberdade de voto”, disse a procuradora eleitoral Silvana Batini, do Rio de Janeiro.

De acordo com André Girardes, cientista social da FGV Direito-SP, o conceito do abuso de poder religioso passou a ser usado em ações eleitorais na década passada e ganhou corpo apenas em alguns TREs. No TSE, a tese não se estabeleceu como um tipo eleitoral autônomo.

“Muitas ações eram movidas por procuradores na tentativa de implementar o tipo eleitoral que eles estavam tentando criar. Tinha um certo ativismo jurídico dentro desses tribunais regionais. Não eram em todos os lugares. A tese pegou em alguns lugares, a depender do perfil dos juízes.”

O novo Código Eleitoral, aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado e aguardando análise do Senado, não cria qualquer punição nova à campanha em templos. Pelo contrário. Deixa expressa a permissão de discursos políticos em locais com atividades religiosas, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão”. A vedação à propaganda expressa, porém, seguiria em vigor.

O líder da bancada evangélica elogia o texto do projeto de lei. Ele afirma que a pregação política em culto, sem pedido expresso de voto, é dever dos pastores e parte de conscientização cidadã.

“É natural que o líder religioso, assim como o professor, fale sobre cidadania, do que seria o ideal no perfil de um candidato pelas crenças e valores deles. O PL visa proteger ainda mais o segmento religioso, como está estabelecido na nossa Constituição, em vez de perseguir”, afirmou o deputado.

A comparação usada por Sóstenes com professores não é à toa. O texto da proposta de nova lei eleitoral inclui a proteção a manifestação também em ambientes acadêmicos.

A inclusão das universidades é parte do argumento da bancada evangélica, ao comparar a atuação política de estudantes e professores com a de pastores. O deputado se queixa do fato da fiscalização sobre propaganda irregular atualmente focar em igrejas evangélicas, deixando de lado campanha política em instituições de ensino.

“Isso acontece também, em intensidade muito semelhante, em ambientes de universidades e de escolas. Não sei quantas condenações há nesse ambiente. Parece que há um enfoque só para quem faz em igreja, porque é uma [determinada] linha ideológica”, disse ele.

O deputado afirma que casos de coação moral são exceção e contrários ao que defende as igrejas evangélicas. “O pastor que faz esse tipo de ameaça, no mínimo, não tem formação teológica adequada e que não está preparado para assumir uma igreja evangélica.”

Italo Nogueira, Folhapress

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