Decisão de Moraes de censurar reportagens é questionável, dizem especialistas
Sob pena de multa diária de R$ 100 mil, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), determinou neste domingo (2) que o portal O Antagonista removesse conteúdo “sabidamente inverídico” segundo o qual o chefe do PCC Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, declarou voto no ex-presidente Lula (PT).
A censura se estende também à rádio Jovem Pan, aos perfis nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus filhos, Eduardo e Flávio Bolsonaro, a perfis de outros aliados do presidente e também de sites bolsonaristas. A Jovem Pan não se pronunciou até a publicação da reportagem.
A Folha procurou especialistas e representantes de entidades de imprensa. Não há um consenso entre eles sobre a decisão de Moraes, que tem como eixo central a alegada tentativa de evitar interferência de conteúdos supostamente inverídicos no resultado das eleições.
Na decisão, Moraes destaca que a reportagem mostra um diálogo entre Marcola e outros interlocutores sobre Lula e Bolsonaro. Ao contrário do que diz o título, prossegue o presidente do TSE, não há declaração de voto.
Moraes reforça ainda que por ter sido condenado de forma definitiva, o líder da facção criminosa está com seus direitos políticos suspensos e impedido de votar.
O presidente-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Rech, criticou a decisão.
“A Constituição é clara ao não admitir censura à imprensa. A legislação brasileira conta com uma série de mecanismos para dirimir eventuais abusos na liberdade de expressão, mas nele não se encontra a censura. Lamentável, portanto, a decisão, que contraria frontalmente a Constituição”, afirmou.
Para Ivar Hartmann, professor associado do Insper, a decisão restringe a liberdade de imprensa. “Foi uma restrição desproporcional. Não cabe ao Estado determinar se dizer que candidato x é melhor é diferente ou o mesmo que dizer que vota no candidato x”, diz.
Entretanto, ele pondera que a análise do caso foi feita em um contexto de preocupação com os discursos de teor golpistas pelos pelo presidente Jair Bolsonaro e com o efeito da desinformação contra Lula.
“Legalmente, a decisão é frágil, mas não posso garantir que tomaria decisão diferente se estivesse no lugar do ministro Moraes”, afirma.
Por conta disso, outros especialistas também consideram a decisão juridicamente justificável.
A diretora executiva da Artigo 19 no Brasil, Denise Dora, afirma que nesses casos é preciso verificar se há precedentes legais, danos que indiquem a urgência da decisão e se houve proporcionalidade na decisão. Para ela, todos os pontos estão contemplados.
A decisão parece estar alinhada na discussões similares feitas pela justiça sobre a aplicação do conceito de “gravemente descontextualizado”, afirma o professor Caio Mario Pereira Neto, do Observatório da Desinformação Online nas Eleições de 2022, parceria do CEPI (Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação) e do Núcleo de Pesquisa em Concorrência, Políticas Públicas, Inovação e Tecnologia da FGV-SP.
“Apesar de ser possível pensar em alternativas de intervenções menos drásticas, como por exemplo, a suspensão da manchete mas não do conteúdo integral, não parece muito razoável imaginar esse tipo de “edição” pela justiça eleitoral”, afirma.
Prado acrescenta que seria razoável esperar uma fundamentação que tivesse especificamente tratado disso, dada a postura de maior deferência da justiça ao jornalismo profissional em outros casos.
Outro aspecto pontuado pelo advogado Rodolfo Assis, pesquisador do grupo PLEB (Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil) da PUC-Rio, é que decisões da Justiça Eleitoral são tomadas de forma urgente, o que muitas vezes prejudica a análise do contexto.
Sobre se há ou não censura no caso, ele diz que é controverso dizer se Moraes decidiu de forma correta sem acesso às informações usadas pelo ministro. Se esse foi o caso, não houve restrição ilegítima ou censura.
Géssica Brandino, Folhapress
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