Maçons admitem força do bolsonarismo e se dizem alvo de preconceito
Enquanto Jair Bolsonaro (PL) acusava a esquerda de fazer “estardalhaço” com imagens suas numa loja maçônica, grupos maçons compartilhavam outro vídeo, que fazia um escarcéu sobre a possibilidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltar ao poder.
Gravado pelo locutor Fábio Dub, um entusiasta do presidente, o material diz que, se optarem pelo PT, professores não podem reclamar de levar tapas e chutes de alunos, tampouco valem queixas do agricultor que tiver sua propriedade invadida pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), ou do comerciante que for assaltado.
A peça termina lembrando, em tom de desprezo, artistas que endossam o petista: “Caetano Veloso, Daniela Mercury e Anitta —isso, Anitta”.
Opositores têm usado a visita a uma reunião de maçons, em 2017, contra o presidente, que entrou na defensiva sobre o tema, um tanto indigesto para sua principal base religiosa. Evangélicos, em geral, veem a maçonaria como uma seita incompatível com a fé cristã, posição compartilhada pelo Vaticano.
Bolsonaro virou “Maçonaro” nas redes sociais, e sua tropa de choque correu para reduzir danos. O pastor Silas Malafaia divulgou vídeo minimizando a confraternização do presidente com maçons, e a deputada Carla Zambelli (PL) rogou: “Coloquem a mim na fogueira”. Ela se casou numa loja maçônica em 2020, com Michelle Bolsonaro entre os convidados, o que virou munição contra o mandatário.
Também foi recuperada pelas redes uma nota recente, publicada pela revista Veja, sobre a participação de Bolsonaro no 2º Encontro de Lideranças Empresariais Maçônicas. O evento aconteceu no dia 15 de setembro, na Associação Comercial de São Paulo, mas o presidente acabou não indo.
“Segundo informações que recebemos, foi por conta do falecimento da rainha [Elizabeth], aí a agenda dele acabou sendo ajustada”, diz o presidente em exercício da entidade, João Bico.
Bolsonaro não foi convidado por ser candidato, e sim por ser a autoridade máxima do país, ele afirma. Lula também o seria, se presidente fosse.
Bico é membro da Sagrada Família, loja sob guarda da potência maçônica Grande Oriente de São Paulo. Não acha “justo nem ético” dizer em quem vota, dada sua posição hierárquica, mas sinaliza que em ao menos um ponto concorda com Bolsonaro: a política do “fique em casa”, que se estendeu por meses durante a pior pandemia em gerações, desemparou a classe empresarial.
“Milhares de negócios foram fechados porque fomos obrigados a ficar presos. Acho que isso foi, de certa forma, uma certa arbitrariedade que prejudicou”, diz.
A Folha conversou com cinco maçons para esta reportagem. Fora Bico, que não se posicionou abertamente, dois são bolsonaristas e os outros dois não gostam nem do atual presidente nem do ex.
Um maçom que não quis ter o nome divulgado diz que uma grande maioria é Bolsonaro. Afirmou ter votado em Ciro Gomes (PDT), mas que não sabe quem será seu candidato no segundo turno.
Ele e outros três concordam que, a despeito das preferências pessoais, a maçonaria pode até ser um ambiente plural, mas a inclinação ao bolsonarismo no segundo turno é patente.
O deputado Coronel Tadeu (PL-SP) está num dos grupos de WhatsApp onde circularam o vídeo anti-PT. A repórter, por ser mulher, jamais poderia fazer parte dele. A maçonaria tradicional só acata membros homens.
“Em geral, são pessoas que não aceitam comportamentos de esquerda, como ideologia de gênero, drogas e aborto”, afirma o bolsonarista Tadeu, não reeleito para a Câmara. “Até tem petistas, mas eles são minoria.”
Não se trata de um filtro ideológico a priori, mas consequência do perfil mais habitual das lojas maçônicas, segundo o parlamentar. O maçom médio é branco e de classes mais altas. “Onde o PT tem mais voto? Nas classes de baixa renda.”
É preciso ter algum poder aquisitivo, diz, para ser um deles. Tadeu paga R$ 200 de mensalidade para pertencer à sua ordem. Dá um exemplo de gasto: viúvas recebem, após uma vaquinha de irmãos maçons do falecido, uma espécie de seguro de vida, que pode chegar a R$ 100 mil.
Outro maçom, que prefere o anonimato, ratifica a ideia de que esquerda e maçonaria não são o melhor match. São os liberais e os conservadores que mais procuram as lojas, diz.
Ao menos dois aliados de Lula nesta eleição fizeram o mesmo que Bolsonaro: discursar num encontro maçônico sobre projetos políticos. Um deles é Geraldo Alckmin (PSB), na época governador pelo PSDB, hoje vice do petista com quem já disputou a Presidência. Outro é Márcio França (PSB), também ex-governador, recém-derrotado na eleição para o Senado.
Ele lembra de outros irmãos políticos: Michel Temer (MDB) e Hamilton Mourão (Republicanos).
Algumas jovens lideranças vieram da Ordem DeMolay, uma espécie de pré-escola da maçonaria, para jovens de 12 a 21 anos. O ex-prefeito Bruno Covas (PSDB), morto em 2021, passou por lá.
Na segunda (3), um grupo de WhatsApp do DeMolay-SP recebeu a mensagem de que estará “muito bem representado pelos irmãos Seniores Baleia Rossi, na Câmara, e Matheus Coimbra, na Assembleia Legislativa de São Paulo”. Tenente Coimbra é do PL de Bolsonaro, e Rossi preside o MDB nacional.
Políticos da “esquerda radical”, como esse maçom define o PT, ele nunca viu discursar na maçonaria. Já a “esquerda moderada”, como enquadra Alckmin, França e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), tiveram a palavra em encontros passados.
Maçons pasmaram por terem virado arma contra Bolsonaro. Um dos que conversou com a reportagem disse que a maçonaria é alvo de preconceito e que, como aconteceu com os comunistas, ganhou fama infundada de pactuar com o demônio, comer criancinhas.
João Bico, o empresário que não pôde recepcionar Bolsonaro em setembro por conta do funeral da rainha da Inglaterra, aposta que os políticos não vão deixar de procurar as lojas maçônicas.
“A maçonaria é uma entidade muito importante e participou de vários momentos importantes do país. Nunca pode estar fora do contexto de discussão para o Brasil, seja o presidente que for.”
Anna Virginia Balloussier/Folhapress
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