Mudança na Câmara reconfigura centrão, e PP de Lira age para manter poder

Após o PL de Valdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro eleger quase cem deputados federais e se tornar a maior bancada da Câmara, o PP de Arthur Lira (AL), presidente da Câmara, e de Ciro Nogueira (PI), ministro da Casa Civil, aposta todas as fichas na reeleição do presidente da República na tentativa de preservar seu atual poder no governo e dentro do centrão.

Isso explica, segundo interlocutores, a ofensiva liderada por Lira para criminalizar institutos de pesquisa do país sob argumentos, sem comprovação, de que haveria manipulação de resultados para enganar os eleitores. Os ataques contra os institutos são pauta prioritária do presidente Jair Bolsonaro.

Em paralelo, o PP tenta engrossar a bancada somando-se à União Brasil, que teve 59 deputados eleitos. O PP teve o pior desempenho geral entre a tríade do centrão —também formada pelo PL e pelo Republicanos— na eleição para deputado federal de 2022.

O partido perdeu 11 assentos na Câmara em comparação com a bancada atual, saindo de 58 para 47. Considerando a mesma base, o PL saltou de 76 para os atuais 99 eleitos. O Republicanos, de Marcos Pereira, caiu de 44 para 41.

O resultado deixou o PP em desvantagem em relação aos outros dois colegas da base de Bolsonaro, em especial quando se analisam outros dados das eleições. O PL elegeu oito senadores, frente a três do PP e dois do Republicanos.

Nos estados, a situação atual também é desfavorável ao PP. O partido de Bolsonaro elegeu Cláudio Castro no Rio de Janeiro e tem a possibilidade de conquistar mais quatro estados, entre eles Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O PP ganhou os governos de Acre e Roraima, enquanto o Republicanos é favorito para levar São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.

Além de endossar os ataques de Bolsonaro contra os institutos, algo que já vinha fazendo desde antes do primeiro turno, Lira passou a usar suas redes sociais para fazer campanha para o mandatário.

Nesta sexta-feira (14), postou um vídeo do presidente pedindo apoio de eleitores de Maceió (AL) —única capital do Nordeste em que Bolsonaro teve mais votos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para Lira, o resultado do segundo turno tem um papel crucial em seu futuro na Câmara. Mais votado deputado de Alagoas, feito amparado pela distribuição das chamadas emendas de relator —recursos públicos destinados a políticos alinhados com o governo—, o parlamentar tem como principal entrave à sua reeleição justamente uma possível vitória de Lula.

Mesmo antes do fim da eleição, o presidente da Câmara já faz movimentos mirando a disputa na Casa. Na semana passada, por exemplo, reuniu deputados eleitos para um primeiro mandato em churrasco na residência oficial.

Se Bolsonaro for reeleito, uma recondução de Lira para chefiar a Câmara é praticamente certa, de acordo com parlamentares ouvidos. Ele foi eleito em fevereiro de 2021 com ajuda do governo, que prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares em troca de apoio.

Desde então, Lira tocou a pauta econômica e também encaminhou propostas de cunho conservador, como a que estabelece o ensino domiciliar, e que fragilizam a proteção ao ambiente, como o licenciamento ambiental e a regularização fundiária. A atuação alinhada aos interesses do governo asseguraria novo apoio de Bolsonaro a seu nome na disputa pelo comando da casa legislativa, marcada para 1º de fevereiro de 2023.

Uma vitória de Lula mudaria esse cenário. Os dois políticos têm trocado farpas com frequência, em especial quando o petista reitera sua promessa de acabar com as emendas de relator.

Não à toa, o PP busca aumentar sua influência no Congresso e articula juntar-se à União Brasil, que teve 59 deputados eleitos —hoje, a hipótese tida como mais provável é que ambos se juntem em federação, mas a formação apenas de um bloco parlamentar também está em análise.

Juntos, ambos teriam 106 parlamentares na Câmara, mas a expectativa é a de superar 114 ao atrair congressistas eleitos de outras legendas que não atingiram a cláusula de barreira.

As tratativas entre PP e União Brasil começaram já no primeiro turno diante da possibilidade de que Lula vencesse o pleito.

A reunião dos partidos tem como foco, segundo integrantes de ambas as legendas, ter força na Câmara e no Senado para garantir que o comando de ambas as Casas fique com um aliado dessas siglas.

Ainda no ano passado, o PL firmou um acordo para apoiar a reeleição de Lira numa próxima legislatura, independentemente de quem seja o presidente do país.

A leitura de parlamentares do PP, do PL e da União Brasil, porém, é que o partido de Valdemar Costa Neto saiu das urnas muito grande e difuso —com membros do centrão e aliados convictos de Bolsonaro— , o que tornaria também a legenda mais imprevisível.

Lira relatou a aliados ter conversado com Valdemar recentemente e disse que o presidente do PL garantiu a ele que cumprirá o acordo seja quem for o eleito.

No cenário de vitória de Lula, aliados do petista avaliam haver uma chance concreta de as emendas de relator, principal cacife na mão de Lira, serem declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal) até o final do ano.

Assim, o petista poderia negociar um nome de consenso com outras forças de centro, como União Brasil, PSD, MDB e até mesmo Republicanos. A ideia do PP, por exemplo, de amarrar a União Brasil em federação ou anteriormente, numa fusão, seria também garantir que a legenda caminhasse em conjunto com o partido.

Segundo deputados ouvidos reservadamente, dificilmente um candidato de oposição conseguiria reunir força suficiente para barrar a reeleição de Lira.

Nomes como o da ex-governadora Roseana Sarney (MDB), o do presidente do MDB, Baleia Rossi, do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP) e do presidente do Republicanos, Marcos Pereira, são citados como potenciais candidatos de centro, com condições mais viáveis de enfrentar o atual chefe do centrão.

Antes de tomar uma decisão, no entanto, Lula teria que ponderar se teria mesmo, caso eleito, força política para comprar briga com Lira, um inimigo a ser evitado no Congresso.

No Senado, a situação muda um pouco de figura. O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também eleito com apoio de Bolsonaro, tem retardado a tramitação de muitos dos projetos aprovados por Lira de forma açodada na Câmara, o que gerou críticas tanto do presidente como do deputado.

Com a maior bancada no Senado, o PL de Bolsonaro poderia indicar um nome mais alinhado a seus propósitos em caso de reeleição do mandatário. Num cenário de Bolsonaro reeleito, despontam os das ex-ministras Tereza Cristina (Agricultura) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).

Existe uma avaliação, no entanto, de que uma reeleição de Bolsonaro levaria os parlamentares a manterem pelo menos uma Casa afastada da influência do Executivo, o que reforçaria a possibilidade de vitória de Pacheco em fevereiro. O senador mineiro também contaria com o apoio de Lula, segundo parlamentares.

Ranier Bragon, Danielle Brant e Julia Chaib / Folhapress

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria.