100 dias na Bahia: levantamento do Fogo Cruzado aponta mais de 400 tiroteios e 400 baleados em Salvador e Região Metropolitana
O Instituto Fogo Cruzado, em parceria com a Iniciativa Negra por Uma Nova Política de Drogas, lança na quarta-feira, 10 de novembro, no auditório do Museu Eugênio Teixeira Leal, em Salvador, o relatório “100 Dias de Fogo Cruzado na Bahia”, que apresenta dados alarmantes da violência armada na capital baiana e região metropolitana. Os dados registrados vão de 01 de julho a 08 de outubro deste ano, e nos exemplificam a importância da produção de informações sobre a violência armada. Ao todo, no período analisado, foram contabilizados 443 tiroteios, que resultaram em 401 baleados – uma média de 4 por dia. Destas vítimas, 304 morreram.
Nestes 100 primeiros dias de acompanhamento, Salvador concentrou 3 em cada 4 tiroteios registrados em toda a região metropolitana, e 72% dos baleados. Mas, apesar de menos registros, é importante ter um olhar atento para outras cidades. Cinco municípios tiveram mais vítimas do que tiroteios, o que aponta para um alto risco de letalidade. Foram eles: Simões Filho, Vera Cruz, Mata de São João e Candeias. Os homicídios são o mais grave problema da violência armada em Salvador e RMS, sendo quase metade dos casos (47%) identificados como homicídios ou tentativa de homicídio.
A sensação de insegurança da população é justificada pelos números: 2 em cada 3 tiroteios terminam com alguma pessoa baleada, e mais da metade dos casos (55%) terminou em mortos; em quase 10% das vezes os tiros deixaram 2 ou mais vítimas fatais. “Sem dados é impossível produzir políticas eficazes que, através dos recursos de inteligência, atinjam de fato o problema. Mas o mais grave: sem dados, a sociedade não consegue cobrar por essas políticas porque não tem qualquer noção do que acontece nas grandes cidades brasileiras”, destacam Cecília Olliveira, Diretora Executiva do Fogo Cruzado e Dudu Ribeiro, Diretor Executivo da Iniciativa Negra Por uma Nova Política de Drogas, no texto de apresentação do relatório.
Os dados também se referem à atuação dos agentes de segurança pública: um em cada três casos de tiroteios ocorre em ações ou operações policiais. Esta é a segunda maior causa de tiroteios em Salvador e RMS. Há ainda dados sobre chacinas policiais que se assemelham aos do Rio de Janeiro: foram registradas 14 chacinas, sendo que 12 ocorreram em ações ou operações policiais.
A terceira maior causa de tiroteios em Salvador e região metropolitana é a disputa entre facções. Assaltos aparecem em quarto lugar nas dinâmicas mais comuns de violência armada.
Os ataques armados sob rodas estão relacionados aos casos de disputa entre facções e assaltos. Esse tipo de ataque acontece quando pessoas em um carro ou motocicleta passam atirando na direção de pessoas paradas em algum lugar – bar, uma esquina, um ponto de ônibus. Ao todo, foram 15 casos de ataques sob rodas em 100 dias, ou seja, 1 episódio por semana.
Perfis das vítimas
O perfil das vítimas de violência armada nos primeiros 100 dias de atuação do Fogo Cruzado em Salvador e Região Metropolitana não destoa do que pesquisas e outros relatórios já apontam há anos. Os homens – 89% do total de baleados e 94% do total de mortos, mais especificamente – e os adultos – 95% do total de baleados – são a maioria das vítimas. As informações sobre gênero e faixa etária, em geral, não são difíceis de encontrar, mas dados sobre raça são raros. De 3 em cada 4 casos de vítimas de violência armada não há qualquer informação sobre a cor das vítimas. Mas quando há, são as pessoas negras que aparecem como principal alvo, representando 4 vezes mais vítimas do que a população branca.
A publicação destaca ainda que a tragédia da violência armada não se restringe ao perfil acima. Quanto mais rotineiros tornam-se os tiroteios, maior o risco para toda a sociedade. As balas não poupam ninguém. Nestes 100 dias, 4 crianças, 12 adolescentes e 6 idosos foram baleados. Destes, 1 criança, 9 adolescentes e 4 idosos morreram. Chama atenção o alto número de vítimas de balas perdidas (13 em 100 dias) – quase 1 por semana. A maioria delas (62%) foi baleada em ações ou operações policiais. Ou seja, foram submetidas ao fogo cruzado pelos próprios agentes do estado que deveriam priorizar a sua segurança.
O relatório aponta ainda que as balas tampouco têm endereço certo. Ao menos 18 pessoas foram baleadas dentro de casa e 17 em locais de lazer como bares e festas. E, novamente, a polícia que deveria proteger essas pessoas esteve envolvida nos tiros, respectivamente 28% e 29% dos casos. E, também, muitas vezes, os próprios agentes do estado, responsáveis pela segurança dos cidadãos, tornam-se eles os alvos da violência armada. Em 100 dias, 12 agentes de segurança foram baleados, 5 deles não resistiram. Dentre os agentes mortos, apenas 1 foi baleado em serviço.
Distribuição dos casos na região
O levantamento aponta ainda que o alto padrão de concentração de tiros na capital não se repete quando observamos a distribuição da violência armada por bairros. Ao todo houve registro de tiros em 143 bairros de 12 das 13 cidades que compõem a região metropolitana de Salvador – apenas a cidade de Madre de Deus não registrou tiroteios. Mas nenhum bairro ultrapassou a concentração de 4% dos tiroteios em seu território. Ou seja, a violência é grave, porém dispersa.
O relatório aponta ainda que há um padrão de concentração a ser destacado: 39% dos 143 bairros que registraram tiroteios ficaram acima da média regional no que diz respeito à proporção de tiroteios em ações ou operações policiais (31%). Ainda mais grave, em 1 a cada 4 bairros, mais da metade dos tiroteios ocorreram em ações e operações policiais, sendo, nesse sentido, a ação do estado um dos motores da violência armada.
“Estes são importantes indicadores para a construção de políticas públicas de prevenção a violência. É essencial entender a qualidade dos serviços prestados nesses bairros e quais são estes serviços. A política de segurança se resume a ação policial ou outros órgãos são acionados em uma perspectiva global voltada para de fato melhorar a vida da população? Estas são perguntas que deveriam estar sendo feitas e respondidas pelos gestores”, finaliza Dudu Ribeiro, Diretor Executivo da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas.
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