Aliados devem impedir ‘volta ao passado’ do BNDES sob Lula, dizem analistas

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deve ter uma atuação reforçada durante o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), projetam economistas.

Eles, porém, não enxergam por ora a volta do banco público a políticas adotadas –e bastante criticadas– em gestões petistas anteriores, como a de crédito farto e subsidiado para grandes empresas, as chamadas campeãs nacionais.

“No plano de governo, Lula indicou que iria reforçar a importância e o peso do BNDES na economia. Há uma sinalização de que o banco vai ter uma ação mais intensa”, avalia a economista Carla Beni, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Mas a gente tem de lembrar que quem ganhou a eleição não foi o PT sozinho. Foi uma coalizão. Acredito que esse movimento vá impedir o governo de cair no mesmo modelo de antes, até para não errar de novo”, acrescenta.

Em uma entrevista em abril, Lula falou em “transformar o BNDES em um grande banco de investimentos para pequenas e médias empresas”. Essa associação voltou a ser feita ao longo da campanha.

“Vamos incentivar o microempreendedorismo, e o BNDES vai agora financiar pequenas e médias empresas, o micronegócio, o empreendedorismo”, afirmou Lula em agosto.

Já às vésperas do segundo turno, a campanha petista divulgou uma carta na qual indicou que bancos públicos, “especialmente o BNDES”, além de companhias como a Petrobras, “terão papel fundamental neste novo ciclo”. O programa de governo também fala em fortalecer os bancos públicos.

“A gente tende a ver um BNDES mais atuante, mais reforçado. O que se espera é que haja uma posição mais estratégica agora”, diz o economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

“Não estamos falando daqueles empréstimos do passado, quando o banco cresceu com transferências do Tesouro. O banco não precisa se alavancar naquela magnitude. Ele precisa ser mais efetivo, mais estratégico”, completa.

Criado há 70 anos, o BNDES ampliou sua atuação durante a era petista, com crédito a baixo custo para grandes empresas.

No governo Dilma Rousseff (PT), os desembolsos chegaram a R$ 190,4 bilhões apenas em 2013, conforme dados disponíveis no site da instituição.

Os recursos encolheram a partir de mudanças adotadas nos mandatos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). O banco, então, passou a concentrar mais esforços na estruturação de projetos em áreas como a de infraestrutura e a de privatizações.

Em 2021, os desembolsos caíram para R$ 64,3 bilhões. Neste ano, de janeiro a junho, a quantia ficou em R$ 33,2 bilhões.

“Existe um arco de alianças políticas [com Lula], e também se espera um aprendizado em relação a experiências anteriores. Assim, a atuação do BNDES não deve ser vista apenas como um resgate do passado”, aponta Cagnin.

A bolsa de apostas para a presidência do banco foi aberta logo após a definição do segundo turno das eleições.

Um dos cotados é o economista Gabriel Galípolo, ex-presidente do banco Fator. Ele atuou na campanha petista como conselheiro econômico de Lula, buscando aproximar o então candidato do mercado financeiro.

Também não está totalmente afastada a hipótese de o ex-ministro Aloizio Mercadante ocupar a presidência do BNDES.

Na visão de Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, ainda é preciso aguardar as primeiras confirmações do novo governo para entender o papel do banco a partir de 2023.

Ele vê um quadro “mais restrito” para as fontes de recursos da instituição (funding), se comparado às gestões petistas anteriores.

Assim, o caminho para o BNDES, avalia, seria concentrar esforços no financiamento de projetos que despertam menos interesse no setor privado, incluindo iniciativas de pequenas empresas e no setor de saneamento básico.

“Tentar competir com o setor privado, com taxas subsidiadas, como no passado, seria um erro colossal”, afirma Vale. “Uma estratégia como a das campeãs nacionais tem de ser evitada a todo custo.”

Segundo dados disponíveis no site do BNDES, o Tesouro Nacional representava 40% das fontes de recursos do banco em 2018. Em 30 de junho de 2022, a fatia estava em 15%.

“O país precisa investir nas pequenas e médias empresas, nas startups. São esses os negócios com mais dificuldade para tomar crédito, e não as grandes campeãs nacionais, que podem ir ao mercado de capitais”, avalia Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Órama e professor do Ibmec-RJ.

Ele avalia que Lula assumirá a Presidência em meio a um cenário externo “mais desafiador” do que nos mandatos anteriores, o que também reforça a necessidade de preocupação com o quadro fiscal.

Desde 2018, os contratos de empréstimos do BNDES são atrelados à TLP (Taxa de Longo Prazo), mais associada a taxas de mercado.

Essa modalidade substituiu a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que era menor por uma decisão de governo e acabava impondo custos não explícitos à política de crédito do banco.

Leonardo Vieceli / Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria.