Aliados veem desgaste, mas saem em defesa de Lula por casos recentes com empresários
Aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reconhecem desgaste com favores de empresários aceitos pelo petista após as eleições, mas saem em defesa do presidente eleito sob a alegação de que não há desvio ético nem ilegalidade jurídica.
O constrangimento é exposto pela necessidade de ter que dar explicações públicas e pelas críticas de opositores, embora auxiliares de Lula digam ser uma “crise artificial”.
A fonte de desconforto está na viagem de Lula à COP27, no Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, conhecido como Júnior, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde. O petista embarcou na segunda-feira (14) para participar da conferência da ONU sobre mudanças climáticas.
O empresário chegou a ser preso em 2020 pela Operação Lava Jato em uma investigação sobre suposto caixa dois para a campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.
Secretário-geral do PT, o deputado Paulo Teixeira (SP) afirma que Lula viajou “a serviço da sociedade” e foi obrigado a recorrer a uma carona em decorrência da incivilidade do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Teixeira diz que um voo de carreira exigiria forte aparato de segurança e que Lula foi à conferência em busca da reinserção brasileira no cenário internacional, papel que caberia ao presidente.
“Não há nada de ilegal e essa é uma conferência importantíssima. Quem deveria ter oferecido meios para o deslocamento de Lula é o Estado. Mas não o fez por falta de civilidade do governo Bolsonaro”, afirmou.
Secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, atribui as críticas à origem social de Lula. Segundo ele, o petista deverá ser julgado pelo seu governo. “Se fosse o FHC, por exemplo, diriam ‘olha como ele é sabido, economizando para o erário'”, disse.
Apesar da defesa, aliados reconhecem um constrangimento. Procurados, interlocutores de Lula se esquivaram de comentar tanto a viagem à COP27 como sua estada na casa de empresários alvo de operações no litoral sul da Bahia, após o resultado das eleições.
Depois do segundo turno, Lula ficou hospedado a convite dos irmãos empresários Paulo César Carletto e Ronaldo Carletto. Paulo foi alvo de uma operação da Polícia Civil e chegou a ser preso, mas a investigação foi encerrada. Já Ronaldo foi citado no ano passado em delação da Operação Faroeste e negou as acusações.
O desgaste fez com que aliados do presidente eleito fossem às redes sociais em sua defesa. É o caso do advogado Luiz Carlos da Rocha, conhecido como Rochinha. “Para os moralistas de plantão, digo que Lula não ocupa nenhum cargo ou função pública. O uso do jatão não viola a lei, nenhum protocolo de integridade, norma do TCU ou do MPF”, publicou.
O advogado, que visitou Lula diariamente na prisão, afirma que o petista é um cidadão desimpedido e voa no jatinho do amigo que quiser até o dia 1 de janeiro. “Só depois do dia 2 a bola rola para valer e Lula só poderá fazer o que a lei permitir e autorizar, nada mais, nada menos. Até lá pode usar casa e jato de amigo.”
Rochinha defendeu Seripieri, a quem chama de Juninho, afirmando que ele foi preso por suposto caixa 2 na campanha de Serra e fez acordo de delação.
“Sério mesmo que isso é motivo para Lula não viajar no jato? Se proibir a relação com empresário denunciado ou preso, os políticos vão se tornar eremitas.”
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, aliado de Lula e coordenador do Prerrogativas, diz que não vê problemas na viagem, “nem de natureza ética e muito menos de natureza jurídica”.
“Ao contrário, esta viagem devolverá ao país o protagonismo de que tanto nos orgulhamos em um passado recente”, afirma.
Ele diz que essa é uma “crise artificial”, “provocada por alguns setores da imprensa que pretendem desgastar o presidente Lula antes mesmo de sua posse”.
O advogado também afirma que “supostas críticas” sobre a viagem de Lula de pessoas próximas ao petista “não têm digital, rosto, voz ou qualquer tipo de transparência”. “São desonestas, injustificadas e desleais.”
Como a Folha mostrou, aliados do presidente eleito afirmam que ele sabia que a viagem no jato traria um custo político. Mas, por uma alegada necessidade, dizem, optou pela viagem a bordo do avião do empresário.
Um membro do PT afirmou, sob reserva, que a opção foi uma “cagada” motivada pela falta de recursos do partido para arcar com os gastos da viagem.
Ele minimiza, no entanto, as críticas, afirmando que elas não têm “fôlego”, porque “não tem nada de errado”.
Não há previsão orçamentária para custear o transporte de um presidente eleito durante a transição. Como o período eleitoral acabou, não existe a hipótese de se recorrer ao fundo eleitoral reservado às campanhas para arcar com os custos da viagem, e o PT não teria, por sua vez, os recursos necessários.
O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), minimizou o ocorrido. “A informação que tenho é que não é emprestado, [o empresário] está indo junto para COP. Não tem empréstimo, estão indo juntos no mesmo avião, estão indo mais pessoas”, disse na segunda, ao ser indagado sobre o tema em entrevista em São Paulo.
Além de ataques de parlamentares da oposição a Lula, o petista também foi criticado por João Amoêdo, um dos fundadores do partido Novo e que declarou apoio ao presidente eleito no segundo turno da corrida eleitoral.
“A viagem de Lula no jato de empresário —condenado ou não— é um absurdo. Aqueles que admiram o presidente eleito, e têm esperanças de que ele faça um bom governo, deveriam criticar os seus erros e não ignorá-los”, escreveu Amoêdo nas redes sociais.
O presidente eleito irá viajar a Portugal na sexta-feira (18), onde se reunirá com autoridades portuguesas. Ele voltará ao Brasil no fim de semana. Questionada se o petista usaria o mesmo avião para se locomover, a assessoria de imprensa de Lula não respondeu.
Nas eleições deste ano, o empresário José Seripieri Filho, dono do jato utilizado por Lula para ir à COP27, declarou doações que somam R$ 1,86 milhão. O maior repasse, de R$ 660 mil, foi feito ao diretório nacional do PT. À campanha de Lula ele doou R$ 500 mil.
Seripieri ainda repassou R$ 400 mil ao PSD, partido presidido por Gilberto Kassab, e R$ 300 mil para a campanha de Thainara Faria (PT), eleita deputada estadual em São Paulo.
Colaborou Matheus Vargas, de Brasília
Catia Seabra e Victoria Azevedo/Folhapress
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