Bolsonaro deve responder no TSE por abuso de poder em ações que podem levá-lo à inelegibilidade
Fora do mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PL) deve responder a investigações por uso da máquina pública na campanha e pela rede de fake news ligada a seus aliados. Algumas situações já estão sob análise e se cogita o envio de outras ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O PT, por exemplo, estuda apresentar uma nova ação por abuso de poder político pelas operações realizadas pela Polícia Rodoviária Federal neste domingo (30).
A cúpula da corporação descumpriu ordem do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, de vetar as operações que envolvessem o transporte público de passageiros, como mostrou a Folha.
A campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viu na ação da PRF uma tentativa de interferir nas urnas, especialmente no Nordeste, onde o petista tem vantagem de votos.
As ações não resultarão em cassação de mandato, que se encerra em 31 de dezembro, mas, se procedentes, levariam à perda dos direitos políticos de Bolsonaro, provocando sua inelegibilidade.
Apurações do gênero são complexas e demoradas, chegando geralmente a desfechos anos depois de iniciadas, como mostra a jurisprudência do TSE. Como ele fora do cargo, porém, o ritmo pode ser outro. E a configuração do plenário da corte eleitoral é hoje desfavorável a Bolsonaro.
O ritmo das ações é ditado pelo corregedor e o presidente do TSE, postos hoje ocupados pelos ministros Benedito Gonçalves e Alexandre de Moraes. Benedito fica na corte até novembro de 2023 e Moraes, até junho de 2024.
O tribunal é composto ainda por Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach, além dos ministros substitutos.
Nas últimas semanas, adversários acusaram Bolsonaro de ferir a legislação eleitoral em uma série de episódios. Quando o governo, por exemplo, autorizou o ingresso de novas 500 mil famílias no Auxílio Brasil, além da antecipação de parcelas do benefício. A avaliação de que o presidente desrespeitou limites legais é corroborada por especialistas ouvidos pela Folha.
A lista inclui a confecção de milhões de cartões do Auxílio Brasil com a bandeira do Brasil, símbolo muito usado na campanha do mandatário, e a liberação de parcela extra do auxílio de R$ 1.000 para caminhoneiros e taxistas.
Citam ainda o uso do aparato estatal para reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, com transmissão pela TV Brasil, e o desvirtuamento de agendas oficiais, seja no 7 de Setembro ou na viagem à Inglaterra por ocasião da morte da Rainha Elizabeth II. Bolsonaro usou a sacada da embaixada brasileira em Londres para fazer discurso político.
Algumas condutas do presidente e atos do governo são objeto de ações judiciais que tramitam no TSE. A conversão da solenidade do 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios em comício eleitoral é uma delas.
Houve uma decisão liminar (urgente e provisória) da corte eleitoral que proibiu candidatos, incluindo Bolsonaro, de veicular “todo e qualquer material de propaganda eleitoral, em todos os meios, que utilizem imagens do presidente da República capturadas durante os eventos oficiais de comemoração do Bicentenário da Independência”.
Questionou-se na ação o desvio de finalidade das comemorações da Independência, custeado com recursos públicos e transmitido ao vivo pela TV Brasil.
A coligação de Lula também apresentou uma ação para desarticular suposta rede de fake news pró-Bolsonaro. Nesse caso, em que se repete o pedido de cassação da chapa, o corregedor também abriu apuração, vetou o lançamento às vésperas do segundo turno de documentário sobre a facada que o chefe do Executivo sofreu em 2018 e desmonetizou provisoriamente canais bolsonaristas.
O tipo de ação disponível para questionar atos que desequilibraram a disputa eleitoral é a chamada Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral). São avaliados atos de abuso de poder econômico, político, de autoridade, além do uso indevido de meios de comunicação.
Em casos mais graves, a Aije tem o poder de cassar o registro da chapa ou o diploma dos eleitos e também de tornar os alvos inelegíveis por oito anos.
A Aije pode ser protocolada por partidos políticos, coligações, federações partidárias, candidatas e candidatos e pelo Ministério Público Eleitoral, comandado atualmente por Augusto Aras.
A Procuradoria-Geral Eleitoral se omitiu sobre o uso da desinformação e a exploração da máquina pública durante a campanha.
Sem discutir casos concretos, o procurador regional da República Ubiratan Cazetta afirma que as investigações eleitorais são “sofisticadas” e “demoradas”.
“A ação precisa responder a quesito fundamental: o tamanho do ilícito. Mensurar o impacto do abuso no eleitorado. Não é tarefa fácil”, diz Cazetta, que preside a Associação Nacional de Procuradores da República e atuou como procurador-regional eleitoral no Pará por duas ocasiões (2004-2006 e 2008-2010).
Em 2017, o TSE absolveu a chapa formada por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) por 4 votos a 3, em ação apresentada em 2014 pelo PSDB. O tucano Aécio Neves perdeu a disputa.
Em outra Aije, o tribunal também levou cerca de três anos para votar e rejeitar a cassação de Bolsonaro e Hamilton Mourão (Republicanos) por participação em esquema de disparo em massa de fake news nas eleições de 2018.
Na avaliação do advogado Luiz Fernando Pereira, coordenador-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Bolsonaro incorreu “em condutas graves de abuso de poder político ” que desequilibraram o pleito.
“Existe a possibilidade de o presidente ficar inelegível por oito anos”, afirma Pereira, para quem o ritmo de tramitação das investigações no TSE pode ser mais ágil com Bolsonaro fora do cargo.
Sem condenação de presidentes da República no histórico do tribunal, diz o especialista, casos de cassação de governadores servem de parâmetro. O TSE levou sete governadores à perda do mandato desde a redemocratização por acusações de abuso do poder político e/ou econômico.
O primeiro caso ocorreu no Piauí em 2001, quando Mão Santa (MDB), então chefe do Executivo estadual, foi condenado pela corte eleitoral por compra de voto (distribuição de medicamentos e anistia de contas de água, entre outras irregularidades).
Para Pereira, o volume de benefícios distribuídos por Bolsonaro é, proporcionalmente, “muito maior do que aquele que, nos estados, levou à cassação de governadores”.
Marcelo Rocha, Mateus Vargas e Julia Chaib/Folhapress
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