Ciro Nogueira critica ‘plano B’ do PT para ter gastos extras em 2023 e ironiza TCU

O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) criticou neste domingo (6) a possibilidade de edição de um crédito extraordinário, por meio de medida provisória, para manter o Auxílio Brasil em R$ 600, opção estudada pela equipe do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e vista como possível por integrantes do TCU (Tribunal de Contas da União).

Na mensagem, Ciro ironiza a corte de contas, a qual, segundo ele, não pode tornar o “Poder Legislativo um órgão acessório” do tribunal.

Cabe ao TCU auxiliar e prestar informações ao Congresso em temas que dizem respeito à execução orçamentária.

“Os técnicos em finanças públicas entendem que, para abrir um crédito extraordinário da forma tradicional prevista na Constituição, como exceção ao teto de gastos, precisa-se justificar a urgência e imprevisibilidade. Como fazer isso para uma despesa continuada, como o Auxílio Brasil?”, escreveu o ministro.

Ele diz que os especialistas apontam que a “simples” falta de recursos não parece “justificativa suficiente para respaldar a edição de um crédito extraordinário”.

“Lembrando que os créditos extraordinários do auxílio emergencial tiveram respaldo em uma PEC (proposta de Emenda à Constituição). Os mesmos técnicos apontam que o TCU, órgão de assessoramento do Poder Legislativo, não pode tornar o Poder Legislativo um órgão acessório ao TCU, pois feriria a Constituição”, afirmou.

Em resposta, o ministro Bruno Dantas, presidente em exercício do tribunal de contas, afirmou que a atuação do tribunal é técnica e não política.

“O ministro Ciro Nogueira conhece profundamente o TCU e sabe o quanto a Corte respeita o Poder Legislativo e é ciosa dos limites de sua competência constitucional. Nosso campo de atuação é técnico e não político”, disse Dantas.

A mensagem do ministro da Casa Civil foi lida por aliados de Lula como uma forma de pressionar pela edição de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para permitir despesas fora do teto de gastos.

Lula precisa dessa autorização para lançar medidas que propôs, como manter o valor do Auxílio Brasil e dar um aumento ainda maior que o previsto por Jair Bolsonaro (PL) para o salário mínimo.

Ao garantir a tramitação de uma PEC, avaliam parlamentares ligados a Lula, Ciro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ganham poder de barganha, já que a celeridade da tramitação do texto depende do deputado.

Além disso, fica aberta uma margem para que os integrantes do Legislativo façam alterações na proposta e tentem incluir medidas de interesse próprio. Por essa razão, o uso da PEC, instrumento considerado mais provável por membros da equipe de transição de Lula, foi criticada publicamente pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Calheiros classificou a ideia da PEC como “barbeiragem” e avalia que ela fortalece o centrão, grupo de partidos que apoiaram Bolsonaro em grande parte. O senador teme também o empoderamento de Lira, seu rival em Alagoas.

A opção preferida pelo senador, a edição de medida provisória, tem efeito imediato e pode ser feita a partir de 1º de janeiro, ou seja, em meio a negociação com uma nova base parlamentar no Congresso.

O time de Lula discute desde quinta-feira a solução que adotará para garantir despesas acima do teto de gastos.

Em reunião com ministros do TCU (Tribunal de Contas da União), na semana passada, os integrantes da equipe de transição de Lula perguntaram se poderiam fazer uma consulta para obter aval à edição de uma MP (medida provisória) abrindo crédito extraordinário no início do novo governo para bancar os gastos extras em 2023.

Os integrantes da corte responderam que sim, até porque já há precedentes que os permitiriam realizar o ato.

Técnicos que assessoram a equipe de transição nas discussões no Congresso, porém, têm uma visão mais restritiva do que é possível fazer ou não por crédito extraordinário, instrumento reservado a despesas urgentes e imprevisíveis.

Por isso, essa ala de técnicos argumenta que a PEC da transição seria o caminho mais seguro do ponto de vista jurídico e também político, para evitar desgaste do novo governo perante a população.

Nos últimos dias, petistas voltaram a conversar algumas vezes com membros do TCU para realizar novas consultas informais sobre o tema.

No cenário atual, a discussão é sobre quais propostas do presidente eleito podem ser encaminhadas via MP de crédito extraordinário e quais necessariamente devem entrar na PEC.

Há o entendimento entre petistas de que novos programas devem estar no texto da PEC. Isso inclui a concessão de aumento real ao salário mínimo, a criação dos R$ 150 a mais por criança de até seis anos no Auxílio Brasil e o fundo garantidor para renegociar dívidas no Desenrola Brasil.

Existe ainda uma preocupação sobre a impossibilidade de enquadrar nos critérios do crédito extraordinário verbas para ações que já existem e são despesas permanentes (ou seja, não são vistas como algo imprevisível). Encaixam-se nessa situação os valores extras para merenda escolar e transporte público, que teriam de ser incluídos na PEC. Também deve entrar nessa lista o incremento aos investimentos, uma vez que são obras já em andamento.

Nesse contexto, há três combinações possíveis para o novo governo resolver o nó do Orçamento.

A primeira é continuar investindo só na PEC. O relator-geral do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), pode incluir todos os valores adicionais previstos em seu parecer, condicionados à aprovação da PEC, e o governo eleito faria um esforço concentrado para votá-la até o fim do ano.

A segunda é uma opção derivada da primeira, mas daria ao PT um pouco mais de tempo para articular a aprovação da mudança constitucional. Com parte das despesas travadas, condicionadas à PEC, o governo eleito poderia, ao tomar posse, antecipar o uso de recursos já previstos no Orçamento e livres de restrição para ir tocando as políticas mais emergenciais.

O principal exemplo seria usar os R$ 105,7 bilhões já assegurados ao Auxílio Brasil para editar uma MP, no início do ano, instituindo o benefício mínimo de R$ 600. O valor é suficiente para bancar oito meses de benefício, e o restante ficaria condicionado à PEC. Dentro do TCU não há restrição a esse caminho.

A terceira opção seria a combinação de PEC com créditos extraordinários. Um cenário sem alteração constitucional, com despesas bancadas apenas por MP, está praticamente descartado diante da série de obstáculos legais levantados pelos técnicos.

Julia Chaib e Idiana Tomazelli / Folha de São Paulo

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