Presidente do México acirra guerra com autoridade eleitoral e amplia guinada autoritária
O presidente acusa a autoridade eleitoral de seu país de corrupção e falta de transparência, insta apoiadores a criticar esse órgão e convoca atos públicos de apoio à própria gestão. À parte qualquer semelhança com o Brasil atual, a descrição é do México de Andrés Manuel López Obrador, que neste domingo (27) verá marchas em defesa do político.
Os cartazes que convocam mexicanos às ruas têm a foto do próprio presidente e, segundo a oposição, muitos deles foram impressos com dinheiro saído dos cofres do Estado —levando a denúncias de uso ilegal de verba de propaganda do governo.
Em certa medida, o ato busca se mostrar uma resposta a grandes protestos que, no último dia 13, mobilizaram dezenas de milhares de pessoas em diferentes cidades do país, em repúdio ao projeto de lei apresentado por AMLO ao Congresso para reformar o Instituto Nacional Eleitoral (INE).
Foi a mais clara demonstração de rejeição a avanços institucionais a que o presidente se dedica. Em seu quarto ano de mandato —são seis, sem direito a reeleição—, o populista de esquerda ainda conta com um índice de popularidade alto em comparação a outros líderes da região (67%, segundo o instituto Poligrama), mas vê crescer a resistência de alguns setores a sua gestão.
No cerne desse movimento está uma guinada ao autoritarismo com direito a medidas controversas como o aumento das funções que podem ser exercidas pelas Forças Armadas, a falta de ação para conter um número crescente de jornalistas assassinados e agora o projeto de reforma do órgão eleitoral.
Os atritos do presidente com o órgão são antigos. Em 2006, ele não aceitou a derrota para Felipe Calderón (PAN) e organizou um acampamento no Zócalo, praça no centro da Cidade do México, para pedir a recontagem dos votos. Seis anos mais tarde, ensaiou fazer o mesmo ao perder para Enrique Peña Nieto. E desde que foi eleito, em 2018, atacou o INE em várias ocasiões —a principal delas na eleição de meio de mandato, questionando o resultado que mostrou avanço da oposição no Legislativo e em estados.
AMLO, que usa com certa frequência o expediente de convocar plebiscitos e referendos como forma de pressionar o Parlamento, ainda culpou o órgão pela baixa participação popular na última consulta do tipo, em abril deste ano.
O cientista político Alejandro Hope, do Mexico Institute, divisão do Wilson Center, vê dois fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo. “Por um lado, há um número considerável de mexicanos que vêm se opondo a esses avanços institucionais e acham que o presidente está desconectado dos problemas reais do país —violência, acesso a saúde, educação, trabalho. Esse foco de insatisfação já é grande e pode escalar”, diz.
“De outro, temos um presidente que, com essa manifestação, quer preventivamente pôr um ponto final nessa escalada, mas demonstrando que sua aprovação popular ainda é alta. Visa desqualificar protestos contra ele, mostrar que são convocados por burgueses sem preocupação com demandas populares.”
Os atos de domingo —batizados de 27N, em referência à data— têm o endosso do próprio AMLO, que em pronunciamento no último dia 20 justificou a convocatória em apoio a si e a seus projetos.
“Se não tivéssemos o respaldo da maioria dos mexicanos, em especial dos mais pobres, já teríamos sido derrotados pelos conservadores ou tido que nos submeter a seus caprichos e interesses, para que virássemos títeres daqueles que tinham se acostumado a roubar e a deter o poder econômico e político em nosso país”, afirmou.
A data da manifestação pró-governo foi escolhida de forma a coincidir com o ato de prestação de contas do governo junto ao Congresso. A marcha começará no monumento do Ángel de la Independencia e irá até o Zócalo, onde AMLO fará um discurso.
O que pode soar estranho em outros países no México é uma constante no período pós-Revolução (1910). Durante os governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governou por mais de 70 anos, de 1929 a 2000, era comum que, em momentos de dificuldade, os mandatários convocassem o povo a manifestar seu apoio nas ruas.
“Hoje López Obrador tenta se apresentar como outsider, mas é preciso lembrar que sua trajetória começou no PRI”, diz Hope. O presidente depois migrou para o PRD e hoje tem o próprio partido, o Morena.
No ato, o populista deve tentar refutar também outras bandeiras dos que têm se manifestam contra ele —a exemplo da rejeição ao uso do Exército em áreas não diretamente vinculadas a seu papel, como a segurança pública e obras de infraestrutura. A medida gerou críticas da Human Rights Watch e da Anistia Internacional. “Militarizar a segurança pública gerará mais violações de direitos humanos”, afirmou a entidade, em comunicado.
Para Cristina Reyes, da associação civil México Unido Contra a Delinquência, há uma clara militarização do país. “E não só por entregar a segurança pública ao Exército, mas também por aumentar o poder que a Força já tem, o que é perigoso e preocupante”, afirma. “Será muito difícil reverter a militarização da administração pública nos próximos anos.”
A ineficiência no combate à violência ligada ao narcotráfico também é um ponto de insatisfação. Até aqui, durante o mandato de AMLO, ocorreram 112 mil assassinatos.
Sylvia Colombo / Folha de São Paulo
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