Silêncio de Bolsonaro pós-derrota teve conversa com militares e apelos por declaração
As 45 horas em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) silenciou sobre sua derrota foram marcadas por apelos para que ele reconhecesse o resultado das urnas, além de gestos de solidariedade de aliados. O presidente também conversou com militares e pediu informações sobre o processo de auditoria das urnas eletrônicas conduzido pelo Ministério da Defesa.
Após ficar claro que a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era irreversível, e diante do reconhecimento de diversos atores políticos de que o petista havia triunfado, cada hora em que Bolsonaro se manteve calado foi contada e encarada com angústia por aliados.
O resultado da disputa presidencial foi anunciado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na noite de domingo (30), pouco antes das 20h. Bolsonaro só falou nesta terça (1º), perto das 17h.
Assessores estavam otimistas com a possibilidade de vitória do mandatário e havia inclusive um plano sobre os primeiros gestos de um Bolsonaro reeleito.
A ideia era que ele conversasse com jornalistas no cercadinho do Palácio da Alvorada e depois seguisse para a Esplanada dos Ministérios, onde apoiadores acompanhavam a votação.
Auxiliares não comentavam qual seria a reação de Bolsonaro em caso de derrota, uma vez que o presidente estava convicto de que seria reeleito.
Diferentemente do primeiro turno, ele acompanhou a apuração do Alvorada, a residência ofical. No dia 2 de outubro, no primeiro turno, seguiu a divulgação dos resultados no Ministério da Defesa.
Agora, diante da frustração, Bolsonaro se isolou completamente. Não quis a companhia de ministros ou integrantes da campanha. Na noite de domingo, esteve com Braga Netto, general da reserva e seu vice na chapa.
Ministros foram para suas casas e uma parte dos integrantes do comitê bolsonarista acompanhou a apuração na produtora da campanha, no Lago Sul —região nobre da capital federal.
Após a proclamação do resultado, o chefe do Executivo não atendeu a ligações de ministros e aliados. Ele falou brevemente com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, segundo o próprio magistrado contou no domingo a jornalistas.
Ao menos dois ministros chegaram a ir para o Alvorada, mas foram barrados na entrada. Recluso, Bolsonaro foi dormir, e as luzes da residência oficial foram apagadas por volta de 22h.
Um interlocutor que conversou com Bolsonaro diz que ele estava esperando “esfriar a cabeça”, ainda muito decepcionado com a derrota.
Há, contudo, outra explicação: ele queria informações sobre a auditoria da votação conduzida pelos militares —ao longo do processo eleitoral, a participação do Ministério da Defesa na comissão de transparência do TSE foi instrumentalizada por Bolsonaro para reforçar seus ataques golpistas contra as urnas eletrônicas.
Segundo relatos feitos à Folha, Bolsonaro perguntou na segunda (31) ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se as Forças Armadas já haviam encerrado a fiscalização do segundo turno das eleições.
O presidente deu declarações no passado de que esperaria as conclusões dos militares para reconhecer os resultados.
Segundo relatos de oficiais-generais, o ministro respondeu que ainda não havia encerrado a análise dos boletins de urna. Mas que, até o momento, não havia nenhuma divergência nos dados.
Ele ainda disse, de acordo com os militares, que a fiscalização do processo eleitoral seguirá por mais de um mês.
Desde a derrota, Bolsonaro se encontrou duas vezes com o ministro da Defesa. Teve ainda uma conversa com o comandante da FAB (Força Aérea Brasileira), Baptista Júnior.
No dia seguinte à derrota, o presidente passou a receber aliados próximos, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além integrantes da campanha.
Se parte do mundo político se mobilizou para convencê-lo a reconhecer o resultado das urnas, houve auxiliares que foram na direção oposta. Há bolsonaristas próximos ao mandatário que ainda duvidam da eleição e semeiam questionamentos sem provas sobre o pleito.
Para se contrapor ao grupo mais radicalizado, os ministros políticos e auxiliares argumentaram que, se tivesse ocorrido fraude, as expressivas bancadas de partidos aliados ao presidente não teriam sido eleitas no Congresso em 2 de outubro.
Bolsonaro citou as novas bancadas no Legislativo em seu discurso desta terça. “Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus, pátria, família e liberdade”, disse.
O discurso da derrota foi costurado com a ajuda de uma parte de seus aliados. A sugestão de texto estava pronta por volta das 13h de segunda, e assessores esperavam que ele pudesse se pronunciar no mesmo dia.
Bolsonaro, contudo, não falou na segunda-feira. Segundo interlocutores, ele seguiu trabalhando no texto final, que culminou num discurso breve, que durou menos de três minutos e não teve nenhuma menção direta à derrota.
A pressão ganhou mais corpo para que Bolsonaro falasse nesta terça, diante do aumento nos bloqueios de estradas por caminhoneiros e apoiadores.
O chefe do Executivo se viu, novamente, diante de uma série de apelos para que se posicionasse a respeito da eleição e freasse a escalada das manifestações em rodovias.
A avaliação foi que somente com uma declaração do presidente seria possível arrefecer os protestos, que chegaram a fechar o acesso ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, levando ao cancelamento de voos.
Aliados ficaram assustados com os atos e temeram desabastecimento, como foi apontado por integrantes do setor. Santa Catarina, por exemplo, estado bolsonarista, foi o mais afetado. Algumas cidades do interior registraram falta de combustível em postos.
Nesta terça, os ministros Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União), e Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), buscaram outros ministros do Supremo, o presidente da Câmara, ministros do governo, entre eles Paulo Guedes (Economia), e presidentes de partidos políticos de centro para tentar convencer Bolsonaro a falar.
O próprio governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi ministro da Infraestrutura, constatou que apenas uma manifestação de Bolsonaro seria capaz de frear os movimentos.
Ele entrou em campo logo pela manhã e sugeriu que o mandatário dissesse que não compactua com atos que atrapalham a vida das pessoas —o que acabou contemplado no discurso do presidente.
Aliados esperavam, porém, que o mandatário fosse mais enfático na declaração de que ele pretende se tornar um líder da oposição, referendado por 58 milhões votos.
Em seu discurso, Bolsonaro criticou, mas não pediu que os manifestantes respeitassem o resultado das urnas e deixassem os bloqueios.
Convocou o seu primeiro escalão para o Palácio da Alvorada. Depois, anunciou à imprensa que se pronunciaria. Compareceram todos, com exceção de Fábio Faria (Comunicações), que estava em São Paulo. Dos seus filhos, apenas Eduardo Bolsonaro (PL-SP) acompanhou o pai.
Bolsonaro falou em indignação e injustiça com a eleição na qual foi derrotado por Lula. “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, afirmou o presidente, que leu o pronunciamento.
Bolsonaro evitou classificar como violentos os movimentos de bloqueio nas estradas ou mesmo usar palavras negativas para descrevê-los.
“As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”, completou.
Coube ao ministro Ciro Nogueira reconhecer que haverá transição e que será conduzida por ele.
O presidente ainda teve uma reunião com ministros do STF, na sede do tribunal, após o pronunciamento. Ele havia chamado alguns dos magistrados para um encontro no Alvorada, mas eles declinaram do convite sob o argumento de que esperariam o reconhecimento da derrota.
Ao final da reunião no Supremo, jornalistas perguntaram ao ministro da corte Edson Fachin se Bolsonaro havia reconhecido a derrota no encontro reservado. “[Ele] utilizou o verbo ‘acabar’ no passado. Ele disse ‘acabou’. Portanto, olhar para frente”, resumiu o ministro.
Folhapress
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