Entenda como foi o impeachment de Collor que completa 30 anos

Há 30 anos a democracia do Brasil enfrentava seu primeiro grande desafio após o fim da ditadura militar. Pouco tempo depois da reabertura política, o Senado afastava em definitivo o então presidente da República Fernando Collor de Mello, no dia 30 de dezembro de 1992.

Collor assumiu o governo em março de 1990. Dois anos e nove meses depois, quando deixou o cargo, foi substituído pelo seu vice-presidente Itamar Franco (PMDB), que governou o país até terminar o mandato, no final de 1994.

Envolto em acusações de corrupção, ele não resistiu ao processo de impeachment. Entretanto a avaliação é que os problemas econômicos de seu governo foram determinantes para que ele fosse retirado do cargo.

“A queda do Collor está associada a sua incapacidade de se organizar politicamente, junto ao Congresso Nacional, muito em função do fracasso do seu plano de combate a inflação”, analisa Leandro Torelli, historiador e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Atualmente, Collor é senador por Alagoas, mas está de despedida do Senado Federal. Ele foi derrotado nas últimas eleições ao tentar ser governador de seu estado pelo PTB —quando também apoiou a reeleição de Jair Bolsonaro (PL).

No mês de junho de 1992, o Congresso instalou uma CPI para investigar denúncias feitas pelo seu próprio irmão, Pedro Collor de Mello.

As acusações envolviam o tesoureiro da campanha de Fernando Collor, Paulo César Farias.

Em entrevista à revista Veja, Pedro Collor afirmou que PC Farias participava de um esquema de corrupção. A lista incluía concorrências fraudulentas, lavagem de dinheiro e pagamento de contas pessoais com dinheiro da campanha.

“PC Farias não tinha cargos oficiais, mas era uma figura que pairava dentro do governo Collor e foi figura importante na campanha”, diz o historiador Leandro Torelli. “É famoso o episódio do Fiat Elba, usado pelo Collor, e que teria sido comprado com dinheiro desviado por PC Farias.”

Durante a CPI, Pedro Collor disse ainda que PC Farias coordenava um sistema de tráfico de influência dentro do governo. Ele acusou o irmão de ter conhecimento e de concordar com o esquema. A corrupção envolveria reformas na Casa da Dinda, mansão em Brasília na qual morava a família Collor.

Diante dos indícios, Collor pediu que a população saísse às ruas de verde e amarelo para demonstrar apoio. Não deu certo.

As pessoas foram as ruas de preto, contra o seu governo. As manifestações pelo impeachment cresceram, especialmente com a participação de jovens estudantes que ficaram conhecidos como os Caras Pintadas.

Em meio a um número crescente de manifestações por todo o país pedindo a queda do presidente, no mês de setembro daquele ano a Câmara dos Deputados instituiu uma Comissão Especial para analisar denúncia contra Collor por crime de responsabilidade.

No mesmo mês, no dia 29, a Câmara dos Deputados votou pela abertura do processo de impeachment. Foram 441 votos a favor, 38 contra. O presidente foi afastado do cargo para responder ao processo.

A decisão final sobre impedimentos de presidentes da República é do Senado, segundo a Constituição. Quando aprovado pela Casa o mandatário deixa o cargo em definitivo. Se recusado, retorna ao posto.

Os senadores começaram o julgamento de Collor no dia 29 de dezembro de 1992. Ao perceber que o resultado não seria favorável, Collor tentou renunciar. A manobra não funcionou.

Por 76 votos a favor e 2 contra, o Senado decidiu pela retirada em definitivo do presidente. Com a decisão, ele ficou impedido de exercer cargos públicos por oito anos.

Collor é herdeiro de uma família alagoana com histórico de participação política. Formado em economia, foi prefeito de Maceió em 1979 e depois deputado federal pelo PDS (Partido Democrático Social).

“Ele foi prefeito na época da ditadura. Collor era do partido da ditadura. No final do regime –ele era bem jovem– mudou de partido e ficou um tempo no PMDB”, diz Leonardo Weller, professor de história econômica da FGV.

Em 1986, ganhou a eleição para governador de Alagoas com uma campanha focada no combate à corrupção. Esse discurso ajudou a projetá-lo.

Em 1989, depois de disputar um segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Fernando Collor foi eleito pelo PRN (Partido da Reconstrução Nacional). Ele foi o primeiro a chegar ao cargo de presidente da República através do voto popular, após o golpe de 1964.

Segundo o professor da FGV, Collor teve a sacada de “pular do barco” do José Sarney a tempo. O plano econômico não funcionou como parecia inicialmente e a popularidade de Sarney estava baixa.

“Collor entrou nas eleições para fazer críticas ao Sarney pela direita, enquanto Lula e [Leonel] Brizola faziam pela esquerda. Quem ficou do lado do Sarney se deu mal”, diz.

Por ser ainda desconhecido, afirma Weller, ele conseguiu vender a imagem de ser uma pessoa de fora do sistema. “O que não era verdade, mas não importava. Ele se vendia assim. Um pouco como o Bolsonaro.”

O historiador Leandro Torelli afirma que é importante esse contexto da época para entender o que foi o governo Collor e a sua queda.

“Sarney tinha a herança da ditadura sobre si e não conseguiu fazer um governo de sucesso. A economia fracassou, a inflação disparada, o país vivia um cenário econômico muito grave. E ainda teve uma Constituição nova aprovada”, diz Torelli.

Weller, da FGV, vai na mesma linha. O especialista aponta que a questão econômica foi a mais marcante do período Collor. O final do governo Sarney foi de inflação disparada. E foi nesse cenário que Collor assumiu. “A gente nunca teve uma inflação como a daquele período”, diz Weller.

Quando chegou ao governo, Collor decidiu fazer um congelamento dos preços e das contas em bancos. A avaliação de sua equipe foi a de que diante de uma inflação tão alta o Banco Central não tinha instrumentos para fazer política monetária.

“O que ele fez foi retirar a liquidez numa tacada só. Congelamento de todos os depósitos, inclusive a poupança”, diz Weller. “Ele pegou muito pesado. As empresas começaram a falir e a economia começou a entrar em uma recessão violentíssima”.

Após as medidas, a relação com o Congresso se tornou tensa. Quando o plano econômico começa a falhar, ele passa a perder apoio de setores importantes da sociedade, e de parte dos parlamentares.

“No começo o Plano Collor teve apoio popular”, diz Leandro Torelli. “A partir do momento que a inflação voltou a subir, a popularidade dele cai dramaticamente. Quando as primeiras acusações de corrupção aparecem, ele fica muito enfraquecido diante desse cenário.”

Tayguara Ribeiro/Folhapress

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