Estudo contraria tese de ‘PEC neutra’ e vê alta de gasto de até 0,6 ponto do PIB

A proposta em discussão no Congresso para recompor gastos no Orçamento de 2023, primeiro ano da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode elevar a despesa em até 0,6 ponto percentual do PIB (Produto Interno Bruto) em relação ao observado neste ano, segundo cálculos da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

A estimativa para a PEC (proposta de emenda à Constituição) —já aprovada no Senado e agora em análise pela Câmara— indica que o valor acertado pelos parlamentares está acima do que seria o chamado “gasto neutro”, isto é, aquele que manteria o mesmo patamar de despesas do último ano do governo Jair Bolsonaro (PL).

A neutralidade foi a bandeira levantada pelos economistas da transição e rapidamente incorporada pela ala política, para tentar aplacar as críticas do mercado financeiro —que vê como aceitável um valor mais próximo dos R$ 100 bilhões.

A PEC, por sua vez, abre caminho para gastos acima desse patamar. A despesa extra anual é estimada em R$ 169,1 bilhões pelo Tesouro Nacional, mas pode chegar a até R$ 193,7 bilhões em 2023 caso o novo governo use todos os recursos esquecidos no PIS/Pasep (R$ 24,6 bilhões) de uma só vez. No entanto, essa última parcela pode ficar diluída ao longo dos anos.

Pesquisadores do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV, os economistas Manoel Pires (ex-secretário do Ministério da Fazenda) e Gilberto Borça consideraram uma série de variáveis para chegar à conclusão de que, para manter as despesas no mesmo nível de 2022 (em relação ao PIB), a fatura extra deveria ficar entre R$ 102 bilhões e R$ 152 bilhões em 2023.

O intervalo é amplo porque depende de diferentes fatores: crescimento real do PIB no ano que vem e a variação de preços dos bens e serviços produzidos no país (o chamado deflator).

Mesmo assim, é possível traçar uma espécie de intervalo mais provável, que ficaria num intervalo entre R$ 120 bilhões e R$ 140 bilhões, segundo Borça. Esse cenário considera uma expansão da economia de 1,5% no ano que vem.

Borça afirma que, caso os gastos extras em 2023 fiquem próximos ao piso de R$ 169,1 bilhões previsto pela PEC, a alta no indicador despesa/PIB será em torno de 0,4 ponto percentual em 2023. Se alcançar o teto de R$ 193,7 bilhões, diz ele, o avanço se aproximará de 0,6 ponto.

Embora reconheça que a versão atual da PEC represente uma ampliação no patamar de despesas, Borça ressalta que isso não necessariamente é um problema. Em sua avaliação, o valor do gasto neutro apresentado pela transição é mais um balizador para as discussões, dado que havia pedidos exagerados da ala política e ao mesmo tempo uma pressão do mercado para um enxugamento mais drástico da proposta.

“O muito ou pouco sempre vai ser relativo. Dado que a economia tende a se desacelerar no ano que vem, esse aumento eu não considero tão preocupante”, diz. Para ele, a desaceleração da atividade confere aos gastos um certo componente contracíclico, isto é, capaz de amenizar os efeitos negativos esperados e sustentar a economia.

“Por um lado, a recomposição dos gastos é necessária, porque estamos com o Estado brasileiro na iminência de um shutdown [apagão orçamentário que afeta seu funcionamento]”, afirma. “A pergunta legítima é como esse gasto vai ser financiado, porque você vai precisar de alguma fonte permanente.”

Para os pesquisadores, a ausência de fontes de financiamento claras e bem definidas geraria uma deterioração do resultado fiscal e uma trajetória crescente para o endividamento público. Borça cita como saídas cortes de outras despesas ou aumento de carga tributária.

A incerteza sobre o caminho da dívida pública nos próximos anos tem alarmado analistas e pressionado taxas cobradas do Tesouro Nacional pelo mercado. Para Borça, isso só deve começar a se acomodar quando o governo apresentar seu desenho de nova regra fiscal —o que precisa ser feito até o fim de agosto de 2023, embora o governo eleito queira se antecipar a esse cronograma.

“O que uma regra fiscal deveria abraçar? Ela deveria permitir uma flexibilidade e algum caráter anticíclico, mas ser rígida o suficiente para uma trajetória sustentável da relação dívida/PIB a médio e longo prazo. Calibrar isso é importante”, afirma Borça.

O argumento de que a PEC não traz expansão foi usado inclusive pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Qual o Orçamento de 2023 que tem que ser aprovado para que o presidente Lula tenha em seu primeiro ano de governo o mesmo valor que o Bolsonaro teve no último ano de governo, [em termos de] despesa em relação ao PIB?”, questionou em sua primeira entrevista coletiva após ser anunciado para o cargo.

Haddad citou que o valor em questão seria de R$ 150 bilhões, mas em seguida ouviu de um jornalista que a PEC gera uma expansão sobre 2022 mais forte do que a comentada. “Como proporção do PIB, não”, respondeu o futuro ministro, para em seguida complementar: “Bom, 0,1 [ponto percentual] talvez”.

Os cálculos dos pesquisadores da FGV apontam que a expansão pode ficar acima disso, embora outros fatores possam compensar esse movimento. Por exemplo, a dinâmica fiscal de estados e municípios —que também afeta a dívida bruta (que condensa não só os passivos do governo federal mas também dos entes regionais).

Em início de mandato e com perdas significativas na arrecadação devido à mudança no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, os estados podem enxugar gastos e começar 2023 fazendo um ajuste em suas contas. A mesma prática deve ser incorporada pelos municípios para preservar seus caixas, preveem os economistas.

Se esse cenário de ajuste nos estados e municípios se concretizar, a redução de despesas nesses governos poderia contrabalançar parte ou toda a expansão fiscal praticada pelo governo federal.

Em meio às polêmicas em torno do valor da PEC, o governo eleito tenta colar na proposta uma imagem de recomposição orçamentária, em referência ao esvaziamento de verbas previsto para o Orçamento de 2023 e à ausência de espaço fiscal para promessas assumidas pelos dois lados durante a campanha.

Lula já chegou a dizer publicamente que essa não era uma PEC de seu futuro governo, mas sim uma PEC de Bolsonaro, para recompor os gastos não previstos pelo atual presidente. Algumas áreas chegaram a ter cortes de 95%, como a assistência social.

Segundo os cálculos de Pires e Borça, a relação despesa/PIB cairia de 18,5% em 2022 para 17,1% em 2023 caso nada fosse feito.

O tombo de um ano para outro é observado principalmente porque Bolsonaro precisava respeitar formalmente o teto de gastos, ainda em vigor, mesmo após uma ampla liberação de recursos extraordinários em ano eleitoral articulada entre governo e Congresso para expandir diferentes programas sociais —como o Auxílio Brasil, além do Auxílio Gás e dos vales para caminhoneiros e taxistas.

Fábio Pupo e Idiana Tomazelli / Folhapress

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria.