Regra eleitoral impulsiona novas fusões e extingue partidos tradicionais
O endurecimento das regras eleitorais no pleito deste ano impulsionou três novas fusões partidárias desde o fim da disputa, reduzindo para 20 o número de partidos que terão representação no Congresso Nacional a partir de 2023.
Ao todo, 23 partidos elegeram ao menos um deputado federal nesta eleição, número que já representava uma redução da fragmentação partidária comparado a 2018, quando 30 partidos tinham representação no Congresso. Mas apenas 16 legendas —sete delas unidas em três federações— superaram a cláusula de desempenho, também conhecida como cláusula de barreira.
Outros 16 partidos não atingiram a cláusula, incluindo seis que haviam superado o patamar mínimo de votos em 2018. Destes, cinco decidiram por fusões ou incorporações, que ainda devem ser avaliadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Para cumprir a cláusula de barreira em 2022, os partidos deveriam conquistar ao menos 2% dos votos a deputado federal, com o mínimo de 1% dos votos em nove unidades da Federação, ou eleger ao menos 11 deputados em ao menos nove estados ou Distrito Federal.
Os partidos que não atingem esse patamar mínimo seguem existindo, mas sofrem restrições: ficam sem acesso ao fundo partidário, sem tempo de propaganda na televisão e no rádio e sem direito a uma estrutura de bancada na Câmara dos Deputados. Os deputados eleitos por esses partidos também podem trocar de legenda sem sofrer punições.
O movimento mais recente de incorporação partidária foi o anúncio de que PSC (Partido Social Cristão) será absorvido pelo Podemos. Caso a união se concretize, o novo partido terá 18 deputados e a oitava maior bancada da Câmara.
A incorporação marca o fim do PSC, um dos partidos mais tradicionais do campo conservador, fundado em 1985 e com mais de 400 mil filiados. Também será o segundo partido incorporado pelo Podemos em quatro anos —em 2018, a sigla já havia absorvido o PHS.
Presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo diz que a incorporação foi a saída possível diante das novas regras partidárias e destaca que não haverá arestas na união entre as duas legendas.
“Temos a mesma base ideológica e os mesmos princípios que o Podemos. Sou um cara otimista, para mim está tudo ótimo”, afirmou.
O PSC já abrigou Jair Bolsonaro entre 2016 e 2017, mas recuou do projeto de lançar o então deputado federal como candidato à Presidência. Ainda assim, teve um desempenho histórico em 2018 ao eleger dois governadores: Wilson Witzel no Rio de Janeiro e Wilson Lima no Amazonas.
Desde então, contudo, o partido perdeu parte de seus quadros, que migraram para legendas mais robustas como PL e União Brasil. A despeito de se alinhar a Bolsonaro na legislatura, optou por não fazer parte da coligação do presidente.
Outro partido tradicional que deixa de existir é o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que decidiu por uma fusão com o Patriota para criar uma nova legenda que se chamará Mais Brasil.
Ligado à tradição do trabalhismo, o PTB foi criado em 1945 por Getúlio Vargas e se manteve ativo até 1965, quando foi extinto pela ditadura militar.
Foi refundado em 1979 em meio a uma disputa pelo nome da sigla entre Ivete Vargas e Leonel Brizola, na qual prevaleceu a sobrinha-neta de Getúlio. Desde então, a legenda se afastou do trabalhismo e se tornou uma sigla de perfil fisiológico.
Em 2021, deu uma guinada para o campo ultraconservador, flertou com falanges integralistas e iniciou um processo de expurgo de seus líderes comandado pelo presidente Roberto Jefferson, preso em outubro após atirar contra policiais federais.
Neste ano, o PTB lançou Roberto Jefferson como candidato à Presidência, que teve candidatura indeferida e foi substituído por Padre Kelmon, que atuou como linha auxiliar de Bolsonaro. Na disputa pelo Congresso, teve um desempenho vexatório e elegeu apenas um deputado federal.
O Mais Brasil terá cinco deputados federais, quatro deles eleitos pela Patriota, legenda que em 2019 já havia incorporado o PRP.
Outros dois partidos que não atingiram a cláusula de desempenho e decidiram se unir são o Solidariedade e o Pros, ambos partidos criados na década de 2010 e que participaram de apenas três eleições para o Congresso Nacional.
Neste ano, as duas siglas fizeram parte da coligação de apoio a Lula, mas tiveram desempenho aquém do almejado: o Solidariedade conseguiu eleger quatro deputados federais e o Pros apenas três.
Com a fusão, a legenda manterá o nome de Solidariedade, mas será comandada por Eurípedes Júnior, hoje presidente do Pros.
O partido Novo é a exceção entre os partidos que atingiram a cláusula em 2018, mas não tiveram sucesso na eleição deste ano. A legenda não cogita fusão e deve se manter ativa mesmo com as restrições de acesso a fundo partidário e tempo de televisão.
A despeito de ter reeleito o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que saiu das urnas fortalecido e cotado como possível candidato a presidente em 2026, a legenda elegeu apenas três deputados federais, contra oito da eleição de 2018.
Professor da Universidade Federal do Piauí, o cientista político Vítor Sandes afirma que a fusão ou incorporação são saídas encontradas por líderes partidários para driblar a cláusula de barreira e manter relevância no jogo político com acesso a recursos de fundos públicos para financiamento dos partidos.
“É uma forma de se fortalecer em um mercado eleitoral que é extremamente competitivo e garantir acesso a mais recursos. Diversos estudos apontam que quanto mais dinheiro os candidatos têm, maior a probabilidade de serem eleitos”, avalia.
A cláusula de desempenho foi implantada em 2018 e ficará ainda mais rígida até as eleições de 2030. A partir daí, cada partido deverá ter ao menos 3% dos votos para a Câmara Federal, sendo ao menos 2% em nove unidades da Federação, ou eleger ao menos 15 deputados federais.
Desde a aprovação da cláusula de desempenho em 2017, sete fusões ou incorporações partidárias foram realizadas, reduzindo o número de partidos em atividade no país de 35 para 29 neste período.
Também foram aprovadas três federações partidárias para eleição deste ano, ferramenta que mantém as legendas vivas, mas obriga uma atuação partidária conjunta por ao menos quatro anos. PT, PC do B e PV atuarão em parceria, assim como PSOL e Rede, além de PSDB e Cidadania.
Para Vítor Sandes, a tendência é de uma redução ainda maior da fragmentação partidária caso as regras eleitorais sejam mantidas. A consequência deste novo cenário é um sistema partidário mais simples e coeso ideologicamente.
“Existe bastante pragmatismo entre os partidos. Mas, ao contrário do que diz o senso comum, a ideologia importa. Partidos mais próximos ideologicamente têm mais facilidade de se fundir porque conseguem pactuar consensos em relação às políticas que eles perseguem.”
João Pedro Pitombo/Folhapress
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