Troca militar gera atrito mesmo após ação de ministro de Lula, e Marinha tem impasse
A cinco dias da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda pairam dúvidas sobre as trocas nos comandos das Forças Armadas, mesmo após os esforços de conciliação do futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
O principal entrave está na Marinha. Apesar de interlocutores no Ministério da Defesa dizerem que a troca no comando ocorreria na quarta (28) ou na quinta-feira (29), auxiliares do comandante da Força, Almir Garnier, afirmaram que a realização de uma cerimônia às pressas, antes da posse do petista, não é uma possibilidade.
Garnier era um entusiasta da possibilidade de antecipar a troca na chefia. O Alto Comando da Marinha, no entanto, avaliou na última quinta (22) que a medida poderia causar ruídos e decidiu que o melhor cenário seria o comandante deixar o cargo após a posse de Lula.
Mesmo com o entendimento fechado durante a reunião do Conselho de Almirantes, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, apresentou a Múcio as datas de 28 e 29 de dezembro como as previstas para a troca no comando da Marinha.
Integrantes da alta cúpula da Marinha falam em “interferência” da Defesa. O episódio resgata ainda uma disputa entre as Forças que não é de hoje, com uma prevalência do Exército sobre as demais pelo fato de um general estar no comando do Ministério da Defesa.
Auxiliares de Garnier reforçam que a Marinha é independente para tomar suas decisões e dizem que ela seguirá a tradição de troca de comando após a posse. A Força é a mais antiga e a mais tradicional, dizem.
Múcio foi anunciado como futuro ministro da Defesa em 9 de dezembro e assumiu o desafio de abrir interlocução com as Forças Armadas e desarticular a antecipação da passagem dos comandos —visto pela equipe de transição como uma insubordinação dos atuais comandantes.
Como estratégia, o futuro ministro da Defesa anunciou que escolheria os oficiais-generais mais antigos de cada Força como comandantes, o que reduz a interferência do governo nas cúpulas de Exército, Marinha e Aeronáutica.
Com os primeiros movimentos, Múcio conseguiu marcar reuniões com os comandantes Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica), além do atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
O único que não se reuniu com Múcio foi o comandante da Marinha, Almir Garnier. Interlocutores do futuro ministro dizem que o militar tem se mostrado resistente a tentativas de aproximação, diante da derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele foi o único a criar empecilhos para a transição, dizem pessoas ligadas ao novo governo.
Após rodadas de conversas com os comandantes e Paulo Sérgio, Múcio avaliava ter conseguido convencê-los a não realizar a troca do comando neste ano. Garnier era o único que permanecia calado.
Após a decisão do almirantado, todos estavam de acordo em deixar para depois da posse as trocas no comando. Na segunda-feira (26), porém, Paulo Sérgio comunicou à equipe do governo eleito sobre a mudança nas datas, e Múcio foi obrigado a concordar.
Segundo o atual ministro da Defesa disse a Múcio, Marinha e Exército fariam ainda nesta semana a mudança nos comandos por motivos pessoais. Por sua vez, a Aeronáutica —a Força que deu início à ideia de antecipação das cerimônias— seria a única mantida para a próxima semana.
Entretanto, a Marinha se insurgiu nos bastidores à antecipação proposta por Paulo Sérgio. Apesar de coincidir com a intenção do próprio comandante, como o colegiado de almirantes havia decidido pela próxima semana, interlocutores de Garnier dizem que prevalece o que o Alto Comando da Força deliberou.
O plano atual prevê que apenas o Exército realizará a transmissão de comando antes da posse, na sexta-feira (30).
Mesmo com os atritos gerados sobre as datas das cerimônias, Múcio tem adotado discurso de que uma eventual antecipação não representa insubordinação nem tem caráter político.
“Eu estarei na transição no dia 30, às 10h30, quando o general Freire [Gomes, comandante do Exército,] vai sair e entregar interinamente ao novo comandante [general Júlio César de Arruda]. Então é uma coisa absolutamente tranquila, sem o menor problema. Não há viés político”, disse à imprensa nesta terça-feira (27).
As incertezas nas trocas do comando ocorrem no momento em que autoridades em Brasília receiam eventuais ações terroristas na capital a poucos dias da posse de Lula.
Há ainda pressão na equipe de Lula pelo desmonte de acampamentos com bolsonaristas em frente a quartéis pelo país.
Dentro da equipe de transição, há avaliações diferentes sobre o que fazer com os acampamentos, principalmente o que está em frente ao quartel-general do Exército em Brasília. O ministro da Justiça escolhido por Lula, Flávio Dino, afirma que aposta na desmobilização essa semana dos atos antidemocráticos.
“Em relação às Forças Armadas, esperamos providências nesta semana. Já houve diminuição deste acampamento [em Brasília]. É hora de pôr fim a isso, é urgente que isso ocorra uma vez que por todas essas razões. É algo incompatível com a Constituição, e isso se refere a todo o território nacional”, disse em entrevista à GloboNews.
Múcio, por sua vez, afirma que os atos são “pacíficos”. “Lá, eu estava conversando com o Ibaneis e os ministros, existem pedintes que vão lá receber comida, pessoas que vivem pela rua dormindo nas praças [do quartel], porque tem um certo abrigo”, disse.
Integrantes da equipe de transição se queixam e cobram urgência em desmobilizar as manifestações antidemocráticas em frente ao QG do Exército. A pressão pela desmobilização aumentou após a tentativa de atentado com explosivo no Aeroporto Internacional de Brasília.
Reservadamente, aliados de Lula lançam suspeitas e acusam o Exército de leniência. Por sua vez, a Força se compromete a desfazer a estrutura do acampamento até o final da semana.
Cézar Feitoza/Marianna Holanda/Victoria Azevedo/Folhapress
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