Brasil precisa avaliar riscos de fazer geopolítica com moeda comum, diz Canuto

Economista que atuou no Banco Mundial e no FMI frisa que moedas demandam lastro, e crédito, garantias
“Estamos em condições de arcar com riscos e custos para fazer geopolítica?”, questiona o economista Otaviano Canuto sobre a proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de uma nova moeda para transações bilaterais na América do Sul, capaz de substituir o dólar.

Lula tratou do tema em encontro com o presidente argentino Alberto Fernández durante visita ao país vizinho nesta semana, após a assinatura de um acordo que prevê, além de tratativas para essa nova moeda, outras iniciativas como a implementação de linhas de crédito em real para dinamizar o comércio bilateral.

Estudioso das relações internacionais, Canuto lembra o apego dos argentinos à moeda dos Estados Unidos, e destaca que essa peculiaridade local é apenas um dos exemplos práticos das muitas dificuldades que envolvem a implementação de mecanismos para a integração financeira da região.

“A propensão à dolarização na Argentina existe. Já escrevi sobre a ideia, fora de lugar e tempo, de dolarizar a Argentina. Mas tem até candidato à presidente que fez campanha propondo isso, Javier Milei. A moeda preferencial dos argentinos para transações fora do país é o dólar”, afirma.

“Os bancos centrais dos dois países teriam de coibir a preferência pelo dólar dos argentinos. Pode fazer isso? Não é simples.”

Alguns detalhes sobre a criação dessa nova moeda foram apresentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e por seu secretário executivo, Gabriel Galípolo, em artigo publicado na Folha. Batizada de Sur, essa moeda digital sul-americana teria a função de acelerar a integração regional, afastando o jugo do dólar.

No artigo, os autores dizem que o Brasil pode contribuir com a criação dessa nova moeda.

“A experiência monetária brasileira, como o êxito na operacionalização da URV (Unidade Real de Valor), pode subsidiar um paradigma à criação de uma nova moeda digital sul-americana [SUR], capaz de fortalecer a região”, destaca o texto.

Canuto, no entanto, reforça que moedas precisam de lastro, assim como o crédito para transações comerciais internacionais demandam garantias, e que o Brasil deve avaliar as consequências de suas propostas para a região.

Alexa Salomão / Folha de São Paulo

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