Comandante de Bolsonaro falta à troca de chefia da Marinha em ato inédito desde redemocratização

Pela primeira vez desde a redemocratização, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos não participou da tradicional cerimônia de passagem de comando da Força nesta quinta-feira (5).

A decisão de ausentar-se no evento, que marca a troca da chefia de cada uma das Forças Armadas, se deu por questões políticas e contrariedades que Garnier expressou com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo relatos de pessoas próximas ao militar.

O novo comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, já estava no cargo de forma interina desde 31 de dezembro. Ele foi escolhido pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, seguindo o critério de antiguidade.

Nas trocas de comando do Exército e da Aeronáutica, os indicados por Bolsonaro, general Freire Gomes e brigadeiro Baptista Junior, estiveram presentes para a cerimônia de posse dos nomeados por Lula.

Na Marinha, o mais antigo, almirante Aguiar Freire, foi escolhido para chefiar o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Olsen, o segundo na linha sucessória, assumiu o comando da Marinha.

Como a Folha mostrou, Almir Garnier estava disposto a entregar o cargo antes da posse de Lula. Ele, porém, submeteu a decisão ao Conselho de Almirantes, colegiado formado por todos os almirantes de Esquadra da ativa –o posto mais alto da carreira.

O grupo se reuniu na antevéspera de Natal e entendeu que, para evitar crises ou desentendimentos, seria melhor manter a tradição de encerrar o mandato na Marinha após a virada do ano. Por questões de agenda, se definiu o dia 5 de janeiro.

Mesmo com as sinalizações favoráveis à transição na Marinha e com a interlocução de Múcio com Olsen, o comandante Almir Garnier se manteve resistente a conversar com a equipe de Lula.

Ele foi o único a não se encontrar com Múcio durante a transição. Os ex-comandantes Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica) desenvolveram bom relacionamento com o ministro da Defesa e não criaram empecilhos para a transição dos cargos –apesar da saída antecipada do general do Exército, que alegou questões pessoais.

No início da cerimônia nesta quinta, foi lido um texto escrito por Almir Garnier. “No decorrer do proveitoso comando, dediquei especial atenção às questões que sempre roguei essenciais para motivação do nosso pessoal, procurando enfatizar os valores morais dos feitos heroicos de nossos antecessores”, disse.

Na curta mensagem, o ex-comandante ainda desejou boas realizações ao ministro José Múcio Monteiro. “[Tenho] Total confiança que a leal e disciplinada Marinha de Tamandaré saberá obedecer suas diretrizes em prol da soberania de nossa nação”, concluiu.

A ausência do comandante na cerimônia de passagem de comando não ocorreu nem nos momentos mais tensos para a Força desde o fim da ditadura militar. Em abril de 2021, por exemplo, o comandante Ilques Barbosa Júnior deixou o cargo em uma demissão conjunta após não concordar com ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mesmo com os desgastes criado à época, Ilques manteve a tradição e participou da passagem de comando para Almir Garnier.

Os três últimos comandantes da Marinha –Ilques, Eduardo Bacellar e Moura Neto– participaram da cerimônia de posse de Olsen no comando da Marinha. O evento foi presidido por Múcio e contou com a presença do general Villas Boas, o atual e o futuro chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Marcos Sampaio Olsen é um almirante de Esquadra considerado pelos pares como habilidoso e pacificador. Ele ocupou funções de liderança desde que foi promovido a almirante, em 2011, como comandante de Operações Navais e comandante da Força de Submarinos.

Desde que foi escolhido pela equipe de Lula, Olsen se encontrou uma vez com o presidente eleito, em dezembro. Na ocasião, segundo relatos, ele e os demais comandantes se comprometeram a entregar ao Planalto um documento que explique a situação atual da Força, com um diagnóstico para identificar quais devem ser as ações prioritárias do governo nos assuntos de defesa.

Cézar Feitoza e Marianna Holanda/Folhapress

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