Crise em Cuba leva a recorde de pedidos de refúgio de cubanos no Brasil
Para a geração de Lianet Miravet Cabrera, 20, querer deixar Cuba não é propriamente uma novidade. O acesso à internet na ilha, ainda que tardio, acelerou o desejo de mudança. Mas o que era uma vontade tem se transformado na única saída para fugir da crise.
Cabrera viajou para o Brasil com o marido, Nelson García Román, 30, em julho de 2022. O casal vive hoje em Jaraguá do Sul, no interior de Santa Catarina. Ela, estudante de engenharia em Havana, cursa agora administração de empresas e trabalha com contabilidade. Ele, professor de matemática, ensina a matéria em um canal no YouTube.
“A mentalidade que os cubanos tinham antes não é a mesma de agora”, diz Cabrera. “A internet começou há pouco tempo no país, mas as pessoas já se dão conta de que não têm ferramentas para se defender.”
Cabrera e Román engrossam a lista de cubanos que pediram refúgio no Brasil em 2022, ano que registrou cifra recorde. De janeiro a novembro, foram 4.241 solicitações de cubanos, número que supera inclusive os registros anteriores à pandemia de coronavírus. Cidadãos da ilha foram a segunda principal nacionalidade a solicitar refúgio, atrás apenas dos venezuelanos, principal fluxo migratório para o Brasil.
Os números foram levantados pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), com base em dados oficiais, a pedido da Folha. Não é possível aferir quantos desses cubanos ainda estão no Brasil.
Cabrera e Román engrossam a lista de cubanos que pediram refúgio no Brasil em 2022, ano que registrou cifra recorde. De janeiro a novembro, foram 4.241 solicitações de cubanos, número que supera inclusive os registros anteriores à pandemia de coronavírus. Cidadãos da ilha foram a segunda principal nacionalidade a solicitar refúgio, atrás apenas dos venezuelanos, principal fluxo migratório para o Brasil.
Os números foram levantados pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), com base em dados oficiais, a pedido da Folha. Não é possível aferir quantos desses cubanos ainda estão no Brasil.
O trajeto pode levar até uma semana. Orlando (nome fictício), 27, viajou por seis dias. Em um esquema irregular, após pagar para um coiote da Guiana que conheceu em um grupo no Facebook, chegou em outubro em Boa Vista, em Roraima.
Primeiro, foi em um voo direto de Havana para o Suriname, país que não pede vistos para cubanos. Ali encontrou o coiote e um grupo de pessoas de países como Nepal, Índia e Paquistão que pretendiam ir para os EUA. Em um trajeto de 9 horas em uma van apertada, foi levado até a vizinha Guiana e, depois de mais 20 horas de viagem, foi deixado em Boa Vista, onde solicitou refúgio à Polícia Federal.
Essa rota é uma das mais comuns para cubanos que emigram para o Brasil. Em relatório recente, o Acnur, agência para refugiados da ONU, diz ter observado uma mudança na dinâmica de entrada por Pacaraima, principal porta para venezuelanos: agora, há mais cidadãos de outras nacionalidades —cubanos no topo. Foram ao menos 97 cidadãos da ilha de junho de 2021 a setembro de 2022, diz o órgão.
À Folha a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que monitora o tema, diz que a rota de ingresso pelo Oiapoque, no Amapá, por via marítima, tem ganhado relevância. Até aqui, era comum que cubanos partissem para Porto Alegre e, dali, para o Uruguai. Ou, então, que ficassem no Brasil de maneira temporária, para angariar recursos e, depois, emigrar para os EUA. Em muitos casos, quando o refúgio não é solicitado, nem sequer há registro oficial da passagem pelo Brasil.
Mas isso tem mudado, e cada vez mais cubanos optam por permanecer no Brasil. Orlando é um deles. Ele trabalhava no setor de importação e distribuição de alimentos em Cuba recebendo 2.500 pesos por mês, mas relata que já não conseguia pagar as contas e ajudar a mãe. “Um saco com 2,5 kg de frango custava 1.700 pesos [cerca de R$ 360].” No Brasil, trabalha como garçom em um restaurante em São Paulo.
A intensificação do fluxo de cubanos para o país também desafia o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), ligado ao Ministério da Justiça. Com um perfil de migração muitas vezes atrelado a questões econômicas, migrantes de Cuba por vezes não se enquadram nos critérios para refúgio, concedido para cidadãos que estejam sofrendo perseguição em seu país ou sujeitos a violações de direitos humanos.
Até aqui, o Brasil reconheceu 1.043 cubanos como refugiados. A maioria —843— devido ao temor de expressar suas opiniões políticas em Cuba. Especialistas que acompanham o tema demandam que o órgão elabore alguma forma de proteção complementar para cidadãos de países como Cuba, de modo que imigrantes não fiquem por anos esperando respostas sobre suas demandas.
E o cenário, claro, virou uma bomba-relógio para o regime cubano. O êxodo histórico observado na ilha poderia acelerar o encolhimento da população, além de afastar a mão de obra. Projeções da ONU mostram que a população cubana, hoje em torno de 11,2 milhões de pessoas, cairá para 10 milhões em 2050. No final do século, estará em torno de 6,5 milhões —número semelhante ao da década de 1950.
A fronteira dos EUA com o México registrou número recorde de cubanos tentando cruzar para o território americano no último ano fiscal, encerrado em setembro. Foram 220 mil cubanos —2% da população da ilha. E o endurecimento das medidas de expulsão colocado em prática pelo governo de Joe Biden tem potencial para forçar cubanos a buscarem outros destinos, sendo o Brasil um deles.
Ainda que a crise econômica seja um dos principais motivadores, Juan Pappier, pesquisador sênior de Américas na ONG Human Rights Watch, diz que o fator político é indissociável. “Há uma crise de direitos civis e políticos com o recrudescimento da repressão. São mais de mil presos políticos após as últimas manifestações”, explica o pesquisador.
“O contrato social foi quebrado em Cuba. O Estado já não garante qualidade de vida para os cidadãos.”
Após os primeiros meses no Brasil, Mercedes e Orlando dizem querer ficar, em especial por oportunidades econômicas. Já Cabrera , mesmo conhecendo o país em um de seus momentos de maior polarização política, diz estar vivendo algo que não conhecia. “Nos sentimos livres para dizer o que acreditamos para outras pessoas, que respeitam nossas opiniões.”
Mayara Paixão, Folhapress
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