Elo de ministra de Lula com miliciano reforça pressão contra União Brasil

Menos de uma semana após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), integrantes do governo e aliados relatam desconforto e veem desgaste com a revelação pela Folha de que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), mantém vínculos com um miliciano.

Eles dizem, porém, que esse elo não é suficiente para afetar a permanência dela na pasta —como também indicaram nesta quarta-feira (4) dois dos ministros mais próximos do presidente, Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que adotaram um discurso alinhado horas após terem estado com Lula nesta quarta.

Mesmo assim, parlamentares petistas e dirigentes de partidos que compõem a base do governo admitem que esse episódio deve ser usado para elevar a pressão para que a União Brasil deixe de se declarar independente e entregue para Lula a maioria dos seus votos na Câmara e no Senado.

A avaliação desses aliados é que Daniela terá que mostrar trabalho logo nos cem primeiros dias de gestão e atuar para garantir a aprovação de propostas no Legislativo, sob pena de os próprios parlamentares pressionarem por sua saída.

Há um temor de que novas revelações tragam mais desgaste neste início do governo. Interlocutores de Lula lembram que as relações da família do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com as milícias do Rio de Janeiro foram um dos pontos explorados pelo petista nas eleições para criticar o ex-chefe do Executivo e que a manutenção do tema no noticiário pode ser prejudicial ao governo federal.

O episódio reforçou a avaliação de integrantes do PT que demonstraram contrariedade com a entrega de três ministérios para a União Brasil.

Além de Daniela, a União Brasil indicou Juscelino Filho para as Comunicações e Waldez Góes ministro da Integração Nacional. Góes também está na cota do partido apesar de ainda não ter se filiado —ele se licenciou do PDT.

A reclamação de uma ala do PT e de partidos menores que compõem a aliança de Lula e ainda não foram contemplados com espaço no governo —como PV e Solidariedade— é que nada garante a adesão plena da União Brasil à base.

No dia do último anúncio de ministros, o presidente da União Brasil, deputado Luciano Bivar (PE), disse que o partido deve ficar independente no Congresso. A legenda tem 59 deputados na Câmara e é a terceira maior bancada da Casa —atrás do PL e da federação PT, PV e PC do B.

Já o MDB e o PSD, os outros dois partidos que possuem três ministérios na Esplanada, têm 52 deputados eleitos cada e estão empatados em quinto lugar (atrás do PP). A União Brasil ainda tem 10 senadores.

O problema é que a legenda é composta por correntes distintas e por parlamentares historicamente críticos ao PT —o que alimenta a desconfiança sobre a capacidade da sigla de votar com o governo.

O próprio presidente da União Brasil reclamou internamente que as indicações não partiram da cúpula do partido, mas de filiados. Isso porque ao menos duas indicações —Integração Nacional e Comunicações— são atribuídas ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

O partido viveu um racha interno e o nome do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), que estava cotado para a Integração Nacional, foi rifado por resistência no PT e também de correligionários. Isso também tem potencial de atrapalhar a adesão da legenda na Câmara.

Apesar do desconforto gerado pelas revelações de vínculos com um miliciano, aliados de Lula dizem que o desgaste de uma demissão de Daniela seria maior do que esperar a poeira em torno do episódio baixar. Para eles, o custo político de uma alteração seria maior.

Como mostrou a Folha, o grupo político de Daniela e de seu marido, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho (União Brasil), mantém há ao menos quatro anos vínculos com a família do ex-PM Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado e preso sob acusação de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense.

Daniela teve o apoio da ex-vereadora Giane Prudêncio, mulher de Jura, nas eleições de 2018 e nas do ano passado. O próprio miliciano se envolveu em atos de campanha de Daniela há quatro anos, quando cumpria as condenações por homicídio e associação criminosa em regime semiaberto.

Nesta quarta, integrantes do primeiro escalão de Lula saíram em defesa de Daniela e tentaram minimizar os vínculos.

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse não haver “materialidade concreta” no elo com milicianos. “Não tem até aqui nenhuma outra repercussão, nenhuma materialidade concreta sobre nada que crie nenhum tipo de desconforto até o momento. Se surgirem coisas novas, aí é outra história. Mas até aqui não tem nada que provoque nenhum tipo de desconforto, não”, afirmou.

O titular da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), elogiou Daniela e disse que nada do que surgiu até o momento desabona a colega de Esplanada.

“Tudo o que apareceu até agora, na minha opinião, não desabona em nada a grande deputada que é a deputada Daniela do Waguinho, que foi a deputada mais votada do Rio de Janeiro. Que na sua fala inicial, eu estava junto no convite ao Ministério do Turismo, deu uma demonstração assim de muita vontade de fazer um grande trabalho pelo Brasil”, afirmou Padilha em entrevista à Globonews.

Após ir ao Planalto para assistir à posse de Marina Silva na pasta do Ambiente, Daniela também disse ao jornal O Globo que sua permanência no governo não ficou ameaçada. “O presidente Lula e o ministro da Justiça me apoiam. Está tudo sob controle”, afirmou.

À Folha a ministra do Turismo também minimizou o impacto do episódio. “Mais de 213 mil pessoas depositaram a confiança em mim. Não tenho como controlar a conduta de todos. Está tudo sob controle, já mandei nota”, afirmou nesta quarta, lembrando sua votação para a Câmara dos Deputados.

Julia Chaib , Marianna Holanda , Victoria Azevedo , Matheus Teixeira , Catia Seabra e Renato Machado/Folhapress

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