Fim de desconto em imposto e greve de postos de gasolina desafiam Meloni na Itália
Primeira-ministra de ultradireita é criticada por condução de negociações e vê primeiros arranhões em popularidade |
Postos de gasolina prometem fechar as bombas em todo o país por 48 horas, desde a noite desta terça-feira (24), em protesto contra o que consideram uma campanha de difamação por parte do governo, em meio ao aumento de preços dos combustíveis.
O desencontro entre sindicatos desses estabelecimentos e a gestão Meloni começou logo após a virada do ano, como resultado da suspensão de um desconto no imposto sobre combustíveis que vinha sendo aplicado desde março do ano passado.
Na ocasião, para responder à alta de preços acarretada principalmente pela Guerra da Ucrânia, o então premiê Mario Draghi determinou o corte temporário de € 0,25 por litro de gasolina e diesel. A medida foi prorrogada pela sucessora, eleita em setembro, até o fim de dezembro —ainda que com um desconto menor, de € 0,15 por litro. Em 1º de janeiro, deixou de ter validade.
Como resultado, o preço médio do litro da gasolina para o consumidor nas bombas de autosserviço, que foi de € 1,66 em dezembro, era de € 1,84 nesta segunda (23). Em tempos de alta generalizada no custo de vida, o aumento pesou em um país de quase 40 milhões de carros (para 60 milhões de habitantes), sem falar em motos e no efeito em serviços como entregas.
A justificativa do governo Meloni é que a medida, que custou mais de € 7 bilhões em 2022, não cabe no Orçamento deste ano e que o dinheiro será direcionado para outras iniciativas voltadas aos mais pobres. Ao se defender dos reajustes, porém, a primeira-ministra acusou os donos de postos de especulação ao subir os preços além do necessário.
Não só. Para coibir abusos, o governo lançou um decreto-lei, em vigor desde o dia 15, que impõe aos estabelecimentos a fixação de um cartaz nas bombas informando o preço médio regional de cada combustível —para que os clientes possam comparar os valores. Quem não respeitar a determinação está sujeito a multas que podem chegar a € 6.000 e, eventualmente, à suspensão da atividade por até 90 dias.
A categoria, que acusa o governo e seus ministros de difamação, decidiu, então, pela greve, que afeta tanto bombas de autosserviço quanto postos com frentistas —percentuais mínimos de funcionamento devem ser cumpridos por lei. A paralisação começou às 19h (15h em Brasília) desta terça nas áreas urbanas e às 22h (18h) nas estradas. Ao longo do dia, filas para abastecer foram registradas em diversas cidades.
O governo, por meio do Ministério das Empresas, chegou a reunir os representantes dos postos à tarde, para tentar demovê-los da greve, mas a tentativa fracassou.
O protesto promete ser o de maior impacto no cotidiano italiano desde que o governo tomou posse, em outubro. Em dezembro, sindicatos que representam ferroviários, funcionários de escolas e transporte público, entre outros, organizaram paralisações contra a Lei Orçamentária então em elaboração, mas elas foram escalonadas entre regiões e para durar entre 4 e 24 horas.
“O governo, em vez de abrir uma discussão sobre os problemas reais do setor, continua a falar em ‘transparência’ apenas para esconder suas responsabilidades e contaminar o debate, apontando a culpa na especulação dos postos, o que simplesmente não existe”, diz trecho de nota assinada pelos três sindicatos dos postos.
Nesta segunda (23), a primeira-ministra defendeu o decreto, chamando de “bom senso” a publicação do preço médio regional. “Não se volta atrás. O governo não imaginou essas medidas para apontar o dedo para toda a categoria, mas para reconhecer os honestos.”
A oposição criticou a condução das negociações. “Agora o governo tenta corrigir a rota. É só a enésima reviravolta de Meloni. As únicas certezas são os preços elevados, os inconvenientes e as filas de espera para cidadãos e empresas”, disse o ex-premiê Giuseppe Conte (Movimento 5 Estrelas) depois do fracasso das tratativa para impedir a greve.
Além do desgaste, o episódio expõe contradições da líder de ultradireita com o que ela dizia antes de chegar ao poder. Nos últimos dias, críticos resgataram nas redes sociais um vídeo de 2019 em que Meloni, então uma das principais vozes da oposição, prometia abolir o imposto progressivamente se chegasse ao poder. No programa de governo apresentado para as eleições de setembro, um dos pontos falava em redução das taxas sobre combustíveis.
Enquanto analistas avaliam que o governo falhou na comunicação, pesquisas mostram que o caso já provoca arranhões na popularidade de Meloni. Levantamento do instituto SWG realizado de 18 a 20 de janeiro apontou que a aprovação do governo caiu, desde o meio de dezembro, de 43% para 37%.
No período, a confiança em Meloni baixou quatro pontos percentuais, para 41%. Ao todo, 50% dos italianos dizem que o governo deveria manter o corte no imposto, mesmo que isso resultasse em aumento da dívida pública —que já é a segunda maior da zona do euro. O percentual sobe para 56% entre os eleitores do Irmãos da Itália, partido da primeira-ministra.
Michele Oliveira / Folha de São Paulo
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