Garimpo impede pesca, e yanomamis recebem latas de sardinha jogadas de avião
Avião da Força Aérea Brasileira lança carregamento de comida na Terra Indigena Yanomami, em Roraima |
As latas de sardinha –presentes em pequenos fardos de comida que incluem pacotes de arroz, de farinha e de sal– são despejadas pelo ar, sem pouso da aeronave da FAB (Força Aérea Brasileira) na curta pista do PEF (Pelotão Especial de Fronteira) Surucucu, do Exército.
Na tarde desta quinta-feira (26), a reportagem embarcou no cargueiro KC-390 da FAB e acompanhou o socorro emergencial aos indígenas da terra yanomami, vítimas de uma crise sanitária e de saúde pública que resultou na explosão dos casos de desnutrição grave, de doenças oportunistas da forme como diarreia e pneumonia e de malária.
O governo Jair Bolsonaro (PL) viu a crise escalar e atingir o ápice em 2022, o ano em que mais de 20 mil invasores intensificaram o garimpo ilegal e consolidaram o avanço dos pontos de exploração rumo a áreas de aldeias antes distantes dos garimpeiros, com a conivência do governo.
Também no ano passado houve uma crise no fornecimento de medicamentos básicos aos indígenas, como vermífugos para as crianças, com suspeita de fraude e corrupção no contrato assinado pela gestão Bolsonaro.
O governo Jair Bolsonaro (PL) viu a crise escalar e atingir o ápice em 2022, o ano em que mais de 20 mil invasores intensificaram o garimpo ilegal e consolidaram o avanço dos pontos de exploração rumo a áreas de aldeias antes distantes dos garimpeiros, com a conivência do governo.
Também no ano passado houve uma crise no fornecimento de medicamentos básicos aos indígenas, como vermífugos para as crianças, com suspeita de fraude e corrupção no contrato assinado pela gestão Bolsonaro.
Desde segunda-feira (23), o KC-390 da FAB faz sobrevoos na região de Surucucu, uma das mais afetadas na crise, com explosão de casos de desnutrição e malária, e arremessa pelo ar cargas com alimentos destinadas aos yanomamis.
A carga cai na pista de pouso do PEF com paraquedas, num processo que é automatizado do início ao fim. Os alimentos são acondicionados em tambores e em grandes blocos, para então serem arremessados por uma abertura traseira do KC-390.
A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) coordena a distribuição dos fardos de alimentos às aldeias. Nesta quinta, foram arremessadas oito toneladas de alimentos, num total de 320 cestas básicas.
A aeronave decola da Base Aérea de Boa Vista e leva 40 minutos para chegar à altura da pista de pouso do PEF Surucucu, numa velocidade que oscila de 350 a 700 km/h.
Trinta minutos após a decolagem, é possível ver pela janela do cargueiro um rio serpentear a vegetação amazônica com uma água barrenta, produto da exploração de garimpos de ouro.
Também é possível visualizar pela janela, no mesmo trecho, uma pista de pouso clandestina usada por garimpeiros. Como essa, há dezenas de outras na terra yanomami.
A transformação do rio em uma massa viscosa e barrenta impede qualquer atividade de pesca.
Profissionais de saúde acostumados a atender yanomamis severamente desnutridos dizem que esses indígenas perderam o peixe em suas dietas, assim como a farinha, a mandioca e outros alimentos nutritivos, como a batata.
Aldeias inteiras são cooptadas pelo garimpo, e plantações desaparecem nessas comunidades. Falta ainda água potável.
Os fardos com alimentos arremessados pela FAB incluem latas de “sardinha ao próprio suco com óleo comestível”.
O procurador da República Alisson Marugal, que atua em inquéritos relacionados à desassistência aos yanomamis, afirma que em 2020 houve “um primeiro aviso”, um primeiro sinal, sobre a falta de sensibilidade do Ministério da Saúde no governo Bolsonaro em relação à desnutrição dos indígenas.
A alimentação fornecida aos indígenas nos postos de saúde foi interrompida, “de maneira incompreensível”, segundo o representante do MPF (Ministério Público Federal) em Roraima.
“Isso fez com que muitos indígenas deixassem de procurar o posto de saúde ou desistissem do tratamento”, diz.
O MPF recomendou que a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), vinculada ao ministério, retomasse o fornecimento de alimentos, principalmente para crianças e idosos desnutridos. A Sesai argumentou não ser responsável por segurança alimentar, e a Procuradoria ingressou com ação na Justiça para garantir o fornecimento desses alimentos. Houve decisão favorável.
“Faltaram compreensão e sensibilidade com os yanomamis”, afirma o procurador.
Naquele momento, o garimpo já avançava na terra indígena, sem oposição de Bolsonaro e de seu entorno. Apenas operações esporádicas de órgãos como PF (Polícia Federal) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foram realizadas para destruição de maquinário.
Em 2022, a crise sanitária e de saúde escalou, e profissionais de saúde que se depararam com casos de desnutrição grave notaram uma ausência de alimentos tradicionais na dieta dos yanomamis, como o peixe.
Com a declaração de emergência, e a necessidade de ação emergencial para estancar a fome, latas de sardinha foram distribuídas por ar às comunidades mais afetadas pela crise em curso.
Vinicius Sassine/Folhapress
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