Miliciano ligado a ministra de Lula foi citado em relatório de CPI de Freixo

A ministra do Turismo Daniela Carneiro (União Brasil), ao lado do deputado Marcelo Freixo (sem partido), indicado para a presidência da Embratur
O miliciano ligado ao grupo político da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), foi citado no relatório da CPI das Milícias, presidida por Marcelo Freixo (sem partido) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O deputado assumirá a Embratur, autarquia ligada à pasta de Daniela.

No relatório da comissão, concluído em 2008, o ex-PM Juracy Alves Prudêncio, o Jura, é citado como líder de uma milícia em cinco bairros de Nova Iguaçu. De acordo com o documento, ele era o responsável por um grupo de extermínio que faria ameaças, inclusive no período eleitoral.

Um ano após a publicação do relatório, ele foi preso sob acusação de homicídio e associação criminosa, crimes pelos quais já foi condenado. Dez anos depois, em 2018, estava fazendo campanha na primeira eleição da ministra para a Câmara dos Deputados.

Freixo afirmou que tem uma “relação recente de muito diálogo” com a ministra. Ele disse concordar com Daniela, que afirmou caber à prefeitura explicar a nomeação do miliciano.

“A minha relação com a ministra Daniela Carneiro é recente e tem sido muito boa, de muito diálogo. Não tenho dúvida de que a Embratur e o Ministério do Turismo, que nunca trabalharam juntos, podem trabalhar. Minha relação recente com ela é de muito diálogo e de muita correção. Li a defesa dela, e ela atribui as relações à prefeitura. Cabe à prefeitura falar sobre a nomeação”, disse ele.

O deputado disse não ter alterado sua posição sobre a atuação das milícias. “Fiz o maior enfrentamento às milícias já feito no Rio de Janeiro. Levamos à prisão de 240 milicianos e mudamos o conceito de milícia. Milícia é crime organizado e lugar de miliciano é na cadeia”.

A ministra mantém há ao menos quatro anos vínculos com a família de Jura, condenado e preso sob acusação de homicídio e de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense.

Daniela teve o apoio da ex-vereadora Giane Prudêncio, mulher de Jura, nas eleições de 2018 e do ano passado. O próprio miliciano se envolveu em atos de campanha de Daniela há quatro anos, quando cumpria as condenações por homicídio e associação criminosa em regime semiaberto.

O benefício do trabalho extramuros só foi concedido graças a uma nomeação feita pela Prefeitura de Belford Roxo, comandada por Waguinho (União Brasil), marido da ministra.

Procurada, a assessoria da ministra afirmou apenas que Daniela “não tem nada a ver com as nomeações feitas pela prefeitura”. A Prefeitura de Belford Roxo não comentou o caso.

O advogado Luan Palmeira, que defende Jura, afirmou que o ex-PM “não nutre qualquer vínculo com atividades criminosas”. Disse ainda que Giane é “política de grande estima” e “jamais teve seu nome envolvido em qualquer ato de promiscuidade no desempenhar da vida pública”.

“A pretensa proximidade entre Juracy e Giane Jura com Daniela do Waguinho não possui o condão de arranhar a reputação da ministra do Turismo”, disse o advogado.

Daniela foi nomeada como uma forma de contemplar a União Brasil e ampliar a presença feminina na montagem dos ministérios. Também foi uma retribuição pelo empenho dela e do marido na campanha do segundo turno em favor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O casal foi uma das poucas lideranças a apoiar abertamente o petista na Baixada Fluminense.

A ministra foi reeleita deputada federal como a mais votada no Rio de Janeiro.

A campanha dela foi marcada pelo apoio irregular de oficiais da Polícia Militar e pelo ambiente hostil e armado contra adversários políticos de sua base eleitoral.

De acordo com os relatos feitos à CPI, Jura lideraria um grupo de 70 pessoas que utilizavam pistolas fuzis e metralhadoras para controlar os bairros de Nova Iguaçu. O ex-PM teria dito que “cabeças vão rolar” caso ele não fosse eleito. Ele estaria fazendo contagem do número de moradores por casas, a fim de controlar a votação na área.

Jura havia obtido apenas 726 votos em 2004 para a Câmara Municipal de Nova Iguaçu. Quatro anos depois, ano em que foi alvo de denúncias para a CPI, foi o segundo mais votado na cidade, com 9.335 votos. Não assumiu por problemas de seu partido com a Justiça Eleitoral.

Freixo incluiu Jura entre os citados por denúncias feitas à CPI, mas não entre os indiciados pela comissão.

Ainda assim, o ex-PM acabou preso no ano seguinte à publicação do relatório sob acusação de ser o autor do homicídio de um rapaz de 21 anos em Nova Iguaçu, cometido em 2007. Jura foi condenado a 22 anos de prisão pelo caso.

O ex-cabo da PM também foi condenado a quatro anos de prisão sob acusação de comandar uma milícia nas cidades de Belford Roxo, Queimados, Nova Iguaçu e São João de Meriti.

A ficha corrida de Jura não foi impedimento para que Daniela e seu marido buscassem seu apoio na eleição de 2018, quando a ministra foi eleita para seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados.

Jura participou de atos de campanha no período em que podia sair da cadeia para trabalhar na Prefeitura de Belford Roxo, onde foi nomeado assessor em junho de 2017.

Investigação do Ministério Público apontou indícios de irregularidade na comprovação da presença ao trabalho.

As folhas de ponto, apresentadas como prova de comparecimento ao trabalho, estavam assinadas pelo secretário Robenilson Fernandes, mesmo em períodos no qual ele não estava no cargo como chefe imediato de Jura.

O próprio ex-PM afirmou, em depoimento à Promotoria, que não foi empossado no cargo e que não estava recebendo os R$ 3.000 mensais de remuneração devida.

Apesar disso, o miliciano foi absolvido pelo episódio no processo administrativo dentro da Secretaria de Administração Penitenciária. A apuração teve como única diligência o depoimento do ex-PM.

Contudo, o episódio tem gerado dificuldades no relaxamento da prisão de Jura. A defesa do ex-PM solicitou no ano passado autorização para visita periódica ao lar. Apesar de ter um comportamento considerado excepcional, o pedido foi negado pela Vara de Execução Penais.

Um dos argumentos apresentados pela Justiça foi o relatório de inteligência apresentado pelo Ministério Público, defendendo o indeferimento do pedido.

“O histórico criminoso e os dados coletados sobre Jura apontam-no como detentor de poderio e de capacidade para arregimentar homens e armas dentro de sua estrutura criminosa, mesmo estando preso. Desta forma, um possível deferimento de benefício extramuros, porventura concedido ao interno, poderá impactar na ordem e segurança públicas, haja vista que não foram encontrados dados que possam indicar mudança de comportamento do apenado”, afirmou o relatório de inteligência da Promotoria.

“Há indicativos que um possível acesso de Jura, ao meio externo, poderá gerar instabilidade em comunidades conflagradas por autuação de milícias, além de fomentar a movimentação de criminosos de sua quadrilha, uma vez que muitos de seus comparsas encontram-se em liberdade”.

Italo Nogueira/Folhapress

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