Parlamentares usaram prefeitos para driblar decisão do STF sobre emendas de relator




Congressistas usaram prefeitos para driblar o STF (Supremo Tribunal Federal) e conseguir a liberação de recursos previstos em suas emendas de relator. A ferramenta foi proibida pelo Supremo, que considerou essas emendas —usadas para negociações políticas e para irrigar bases eleitorais dos parlamentares— inconstitucionais e sem transparência.

Como forma de burlar a decisão da corte, nos últimos dias de 2022 deputados orientaram prefeituras a enviar ofícios redigidos por eles ao MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) solicitando verbas para os mesmos projetos para os quais as emendas derrubadas pelo Supremo seriam direcionadas.

A Folha teve acesso a um modelo de ofício montado pela equipe do PP, partido que compõe o centrão, e enviado aos prefeitos para que simplesmente reencaminhassem o pedido ao ministério. De acordo com pessoas que acompanharam as tratativas, a manobra foi articulada por líderes do Congresso, mas também beneficiou parlamentares de menor influência nas bancadas.

Dessa forma, o Congresso conseguiu no final do ano passado liberar o dinheiro que estava travado em emendas prometidas a prefeitos. Com o drible, os parlamentares que apadrinharam os recursos não deixaram suas digitais.

No caso do PP, a articulação foi feita por mensagens no grupo de WhatsApp de assessores orçamentários da liderança do partido. A Folha teve acesso a parte dessas mensagens.

Na conversa, um analista legislativo do partido explica que seria usada uma portaria editada pelo governo em 26 de dezembro, que fixou regras para o uso do orçamento do MDR na reta final do ano.

O texto da portaria diz que a prefeitura ou governo estadual que tivesse interesse nos recursos poderia enviar um email para o ministério solicitando o aporte.

A portaria também afirma que é vedado o atendimento de solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados federais e senadores, “independentemente de tal requisição ter sido formulada pelos sistemas formais ou por vias informais”.

A mensagem da liderança do partido a assessores diz que “acerca da portaria”, repassariam “orientações para que haja análise das propostas cadastradas que foram resultantes das indicações de emendas de relatoria (RP 9)”.

Na sequência, a mensagem orienta pedir para que “beneficiários (estados/municípios) enviem, com urgência, ofício” para dois endereços eletrônicos do ministério, apenas “com seguintes informações constantes da proposta cadastrada: 1.1) beneficiário e CNPJ; 1.2) ação;1.3) valor”.

O partido ainda acrescenta que, nos pedidos, “não serão aceitos ofícios encaminhados pelos parlamentares; não devem mencionar no ofício o número da proposta e que “devido ao exíguo prazo para análise e empenho, solicitar que os beneficiários enviem os ofícios até as 18h do dia 27”.

Por fim, solicita que os assessores devem encaminhar à liderança, pelo WhatsApp, cópia dos ofícios enviados pelos prefeitos.

A mensagem colocada em seguida mostra a minuta do ofício com o cabeçalho “[TIMBRE DA PREFEITURA] OFÍCIO Nº XXX/2022 Município, XX de Dezembro de 2022. A Sua Excelência o Senhor Daniel de Oliveira Duarte Ferreira, Ministro do Desenvolvimento Regional/MDR, na Esplanada dos Ministérios, Bloco E, S/N – Zona Cívico-Administrativa, Sala 802, 70.067-901 – Brasília/DF, Assunto: Solicitação de Recursos”.

E completa: “Senhor Ministro, em conformidade com a Portaria 3.728, de 26 de dezembro 2022, do MDR, solicitamos a Vossa Excelência o apoio no sentido de direcionar recursos para o município XXX, CNPJ XXX, no valor de R$ XXX (xxxx), na ação orçamentária XXX. O pleito acima justifica-se XXX. Atenciosamente, XXXX, Prefeito de XXXX”.

O MDR recebeu mais de 5.000 emails na última semana do ano. O prazo, segundo pessoas que trabalham nas negociações das emendas, é muito curto para a análise de projetos dos municípios e aprovação das propostas.

Procurada, a assessoria responsável pelo MDR— desmembrado no governo Lula entre os ministérios das Cidades e da Integração Nacional— não respondeu.

Conforme a Folha mostrou, a manobra beneficiou parlamentares aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como o líder do Republicanos, deputado Hugo Motta (PB), o deputado Wellington Roberto (PL-PB) e a deputada Margarete Coelho (PP-PI).

Margarete havia indicado R$ 10,9 milhões para obras viárias em Oeiras, Valença do Piauí, São Gonçalo do Piauí e Demerval Lobão, municípios do Piauí. Na reta final do ano, essas cidades conseguiram R$ 7,9 milhões com recursos que foram para o MDR após o fim das emendas.

Procurada, a deputada admitiu que fez contato telefônico com os gestores dos municípios mencionados, mas disse que não foram liberadas emendas do ministério citado, ou qualquer outro, que tenham sido inicialmente indicadas por seu mandato através de RP9 (código para emendas de relator).

Também disse não ter qualquer informação a respeito de liberações de RP2 do MDR para os referidos municípios ou para qualquer outro.

Procurados, a liderança do PP e o deputado André Fufuca (PP-MA), que comanda a bancada, não responderam.

Em sua decisão, o Supremo declarou a inconstitucionalidade dessas emendas e determinou que os recursos ainda previstos em RP9 fossem gastos sem levar em consideração as indicações formuladas pelo relator do Orçamento (quem apresentava as divisões do dinheiro negociadas entre líderes e a cúpula do Congresso).

Parte dos recursos em emendas de relator então foi transferida para o caixa de uso discricionário do Ministério do Desenvolvimento Regional. Caberia ao ministro decidir onde aplicar o dinheiro.

Constança Rezende , João Gabriel , Thiago Resende e Lucas Marchesini/Folhapress

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