‘Tributar a bicicleta é um contrassenso’, disse Haddad em 2017; agora setor o cobra

Entidade resgata discurso de Haddad dado a Câmara e vê momento ideal para revisão tributária
Aproveitando a atual conjuntura política e econômica, onde o ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) costura alianças políticas para avançar a reforma tributária no Congresso, o setor de bicicletas intensificou a campanha para a desoneração de sua cadeia produtiva.

Capitaneada pela Aliança Bike, entidade que representa empresas do setor, a campanha resgatou um discurso feito por Haddad na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara em 2017.

Em um recorte de vídeo, retirado do original publicado pela Câmara dos Deputados no Youtube há mais de 5 anos, a Aliança Bike mostra o então ex-prefeito de São Paulo defendendo vigorosamente a isenção de impostos para a cadeia produtiva de bicicletas.

“Tributar a bicicleta é um contrassenso. Você desestimula uma coisa que te poupa recurso público”, disse Haddad. “Devia ser [imposto] zero. Devia ter uma cláusula constitucional [de isenção] como tem para os jornais e revistas. Não pode se cobrar imposto sobre isso. Tinha que ter subsídio para a venda de bicicletas. O Estado deveria entrar com ‘cenzinho’ para o cidadão que quer comprar uma bicicleta”, completou Haddad, que na ocasião havia acabado de deixar o cargo de prefeito da cidade de São Paulo.

No vídeo completo, o recorte vem logo após Haddad explicar o quanto a bicicleta contribui para a economia ao promover a fluidez do trânsito, poupar os gastos com o sistema público de saúde e auxiliar na manutenção do meio ambiente.

“Tributar um modal como esse é o pior cenário possível. [A bicicleta é taxada em] em 80% sobre o custo, e o carro em 30%, isso é uma loucura”, disse Haddad no fim do recorte publicado pela Aliança Bike.

Ao comparar a taxação da indústria automobilística com a indústria da bicicleta, Daniel Guth, diretor executivo da Aliança Bike, diz que a situação “é tão chocante quanto o impacto da tributação sobre o consumo das classes mais pobres. É inacreditável que isso ainda não tenha sido resolvido. Quem é mais pobre no Brasil paga proporcionalmente muito mais imposto. É o absoluto contrário de como deveria ser”.

Guth espera que as ações do hoje ministro Haddad reflitam o seu antigo discurso feito em 2017. “O cenário da reforma tributária pode modificar muita coisa. É possível uma reforma que considere um tratamento tributário diferenciado para a economia verde, para os produtos, serviços e atividades que fazem bem para a sociedade e para o planeta. E isso está no discurso do atual governo. A bicicleta pode ser muito beneficiada”, disse Guth.

Entre as propostas do Programa de Governo Lula/Alckmin, estão presentes compromissos nos quais a produção de bicicleta pode ser beneficiada, como “reforma tributária solidária, justa e sustentável” e “desonerar produto com maior valor agregado, tecnologia embarcada e ecologicamente sustentável”.

Segundo estudo feito pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) em 2017 na cidade de São Paulo , “a incorporação do perfil de atividade dos ciclistas pela população resultaria em uma economia de R$ 34 milhões por ano no SUS (Sistema Único de Saúde ) com internações por doenças do aparelho circulatório e diabetes”.

O estudo demonstra também outros benefícios em razão da troca de outros modais pela bicicleta, como a redução de 3% nos níveis de dióxido de carbono na atmosfera, economia de 14% da renda das famílias mais pobres, e um aumento do PIB municipal levando em consideração o ganho de tempo nos deslocamentos: “aproximadamente R$ 870 milhões no PIB municipal por ano”.

Caio Guatelli / Folha de São Paulo

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