Uruguai acena ao mundo ao escantear Mercosul e mira eleições de 2024

Rusgas entre Montevidéu e Brasília ficaram evidentes durante visita de Lula ao país do centro-direitista Luis Lacalle Pou
Muitos se surpreenderam nos últimos dias ao saber que, ao que parece, Brasil e Uruguai estão com problemas na relação.

Isso transpareceu durante a visita do presidente Lula (PT) à capital Montevidéu e quando seu homólogo uruguaio lançou indiretas afirmando não acreditar em relações baseadas em laços ideológicos.

O fator que opõe os vizinhos é quase teórico. O Uruguai afirma que quer realizar acordos de livre comércio de modo individual —ou seja, fora do Mercosul. O Brasil entende que o parceiro age de modo egoísta.

Um dos tratados em vista seria com a China, o que desespera o Brasil, que teme que produtos do gigante asiático possam enfraquecer sua indústria. Pesa também o fato de que Brasília privilegia um acordo com a União Europeia e que só depois disso toparia falar com Pequim.

O que torna o cenário quase teórico é que as tratativas entre Uruguai e China apenas começaram e podem levar anos. E o acordo do Mercosul com a UE, embora exista um texto consensuado entre as partes, só verá uma assinatura de fato depois de passar por todos os parlamentos dos países-membros e já vem se arrastando há mais de 20 anos.

O que o Uruguai de fato quer é fazer um aceno ao mundo e dizer que está cansado de depender de duas economias geralmente em crise.

“Temos o desafio do Tarzan, que, quando agarrava uma presa, não podia soltar a que tinha agarrado antes, porque tinha medo de perder ambas”, disse o ex-presidente José “Pepe” Mujica, aliado de Lula, ao final da visita do petista a seu sítio.

Ocorre que os problemas do país são menores e menos complexos que o da média da América Latina, ainda que muitos uruguaios se recusem a ver isso. Destoando ou não da política regional, o país pode até reclamar que não cresce o suficiente, mas suas instituições são fortes. Nem a situação política nem a econômica, por ora, ameaçam sua estabilidade ou seu crescimento.

O país tem economia e política estáveis. Mais de dois terços da população são de classe média, e o país tem um dos maiores PIBs per capita do planeta, tendo praticamente eliminado a pobreza extrema.

Essas áreas sofreram um impacto ainda não completamente mensurado da pandemia, e o Uruguai teme que os problemas sociais possam crescer se a economia não der algum tipo de salto.

Há, ainda, o fator político: Luis Lacalle Pou não pode concorrer à reeleição. No Uruguai, apenas é possível disputar uma segunda vez de modo descontinuado —ou seja, ele teria de deixar a Presidência em 2024 e voltar apenas depois do mandato de outro concorrente. Ainda assim, gostaria de fazer um sucessor para que o poder não ficasse com a concorrente, a esquerdista Frente Ampla.

A tarefa se mostra complicada. Embora ainda sustente o governo, a “coalizão multicolor” que o elegeu, que inclui o partido Colorado e outras agrupações, já manifestou que preferirá ter distintos candidatos para a próxima eleição. Sua popularidade, que supera os 60%, não se mostra suficiente para que Lacalle Pou escolha um sucessor vitorioso.

Do lado da esquerda, embora exista fratura, dois pré-candidatos são fortes. Um deles é Carolina Cosse (Frente Ampla), a prefeita de Montevidéu, que, já claramente em campanha, recebeu Lula com uma espécie de ato eleitoral, com cartazes espalhados em toda a cidade. Ela disputa o posto com Yamandú Orsi, seu correligionário. Mais discreto, ele governa o distrito de Canelones e tem mais vínculos com o interior do país, onde o partido de Lacalle Pou, o Nacional, predomina.

Abrir ou não a economia, portanto, também é um elemento da narrativa eleitoral.

Sylvia Colombo / Folha de São Paulo

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