Deputado propõe CPI contra hospitais que realizam transição de gênero em crianças e adolescentes
O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) está colhendo assinaturas para a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que se propõe a investigar os procedimentos de transição de gênero de crianças e adolescentes feitos no país.
Em sua justificativa, o parlamentar afirma que o tema atualmente está submetido a uma “blindagem ideológica” e, por isso, deve ser analisado pela Câmara dos Deputados.
“Contraditoriamente, crianças não podem trabalhar nem contrair matrimônio, mas podem ser submetidas a alterações corporais irreversíveis”, diz o emedebista. No Brasil, cirurgias de modificação corporal são vedadas a menores de 18 anos.
Otoni de Paula ainda afirma que crianças supostamente não sabem o que significa a transição e sugere que a disforia de gênero —angústia relacionada ao sentimento de que o sexo atribuído no nascimento não corresponde à identidade— deve ser entendida como uma questão passageira.
“Vale reforçar que crianças podem apresentar comportamentos transitórios até mesmo quanto à sua identidade humana. Um bom exemplo disso são as crianças que se reconhecem como os personagens de quadrinhos que elegem seus preferidos, como o super-homem”, afirma o deputado no requerimento.
Ao propor a CPI, Otoni de Paula ainda confunde os conceitos de gênero e de sexualidade para sugerir que crianças estão sofrendo uma “precoce erotização através de um bombardeamento de informações de cunho sexual” e, por isso, seriam motivadas a buscar pela transição.
“A verdade é que a ideologia de gênero é um modismo que está ameaçando as vidas de nossas crianças e adolescentes”, diz o parlamentar.
Expoente da bancada evangélica, Otoni de Paula já foi um apoiador fervoroso de Jair Bolsonaro (PL). Com a mudança de governo, no entanto, falou em “virar a página” e chegou a prestigiar posses de ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Sua iniciativa contra o acesso a procedimentos de saúde por crianças e jovens trans se soma a outra encabeçada por um vereador da Câmara Municipal de São Paulo.
Na semana passada, Rubinho Nunes (União Brasil) apresentou um pedido de abertura de CPI para investigar a assistência oferecida a crianças e adolescentes pelo Amtigos (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), ligado ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
A proposta foi motivada por uma reportagem do portal G1 publicada no Dia da Visibilidade Trans. Segundo o texto, atualmente cem crianças com idade entre 4 a 12 anos fazem o tratamento de transição de gênero no local, assim como 180 jovens de 13 a 17 anos.
Nem todas as pessoas trans realizam intervenções médicas. E a falta de assistência para crianças e adolescentes pode agravar a disforia de gênero, o que pode levar à automutilação e tentativas de suicídio em casos mais graves.
A ausência de protocolo federal, o despreparo de equipes médicas e a falta de apoio dos pais são os maiores obstáculos para que transexuais menores de 18 anos acessem os serviços de saúde no Brasil.
A realização de bloqueio puberal e hormonização em crianças e adolescentes trans não é proibida no Brasil, mas sofre com a falta de regulamentação. O CFM (Conselho Federal de Medicina), por meio de resolução de 2019, indica bloqueadores a partir dos primeiros sinais da puberdade, e hormonização a partir dos 16 anos. Cirurgias de modificação corporal são vedadas a menores de 18 anos.
O Ministério da Saúde, por sua vez, não recomenda os procedimentos para pacientes trans menores de idade. A decisão se ampara em uma portaria de 2013. “Cabe à equipe médica de cada local a indicação dos procedimentos adequados para cada caso”, diz a pasta, por meio de sua assessoria de imprensa.
Um estudo do Trans Youth Project, entidade que atende crianças e adolescentes trans nos Estados Unidos e no Canadá, aponta que, cinco anos após a transição, apenas 2,5% dos participantes voltaram a se identificar com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento.
Mônica Bergamo/Folhapress
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