Governo ignora parecer e se manifesta contra restrições da Lei das Estatais no STF
Reunião ministerial do governo Lula |
O posicionamento de Lula foi apresentado em uma ação do PC do B, aliado histórico do PT, que questiona a lei sancionada em 2016 pelo então presidente interino Michel Temer (MDB). A manifestação expõe as divergências em torno do assunto no Poder Executivo, que discute agora um meio-termo entre a norma atual e a proposta articulada no Congresso —vista por integrantes do governo como muito permissiva.
A ação no STF, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, é vista como uma das alternativas do governo para abrir caminho para a nomeação de políticos para esses postos.
Integrantes do governo defendem que as regras vigentes têm como premissa a criminalização da política, tendo nascido em resposta à Lava Jato. Já especialistas em governança afirmam que enfraquecer a norma pode dificultar o combate à corrupção.
Após o PC do B ingressar com a ação, o presidente foi instado a se manifestar no processo por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), que representa juridicamente o governo.
Antes de enviar a mensagem presidencial ao Supremo, a AGU consultou a PGFN e a SAJ (Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos) da Casa Civil para colher opiniões jurídicas.
Primeira a se manifestar, a PGFN, vinculada administrativamente ao Ministério da Fazenda, defendeu integralmente a Lei das Estatais.
Em nota técnica, a PGFN afirmou que as vedações previstas na lei são “juridicamente legítimas, razoáveis e proporcionais” e visam evitar conflitos de interesses, além de impedir que “interesses político-partidários ou classistas do ocupante de cargo de administrador prevaleçam sobre o interesse público”.
Atualmente, a lei veda a indicação para o conselho de administração e para os cargos de diretor, inclusive presidente, diretor-geral e diretor-presidente, de pessoas que tenham atuado, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral.
Também não permite representante de órgão ao qual a empresa pública está sujeita, nem ministros, secretários, dirigentes de partidos e mandatários do Poder Legislativo, entre outros.
A PGFN disse, em sua nota, que as vedações previstas na lei “estampam situações, em abstrato, de efetivo conflito de interesse (relativamente à pessoa indicada como administrador de uma sociedade empresarial estatal com o seu correspondente ente político controlador ou mesmo seus representantes públicos) que foram, desde logo identificadas e proibidas pelo legislador.”
“[Essas situações] que poderiam, inclusive, resultar na eventual responsabilização societária da pessoa política-administrativa controladora, como sócia-controladora da empresa estatal, por abuso de poder”, afirma a nota, assinada pelo setor de Coordenação-Geral de Assuntos Societários da União da PGFN.
Já a SAJ, também instada a se manifestar, defendeu que os dispositivos da lei que restringem políticos são inconstitucionais.
“Restringir o acesso de pessoas idôneas às atividades em Conselho de Administração e Diretoria de empresa estatal nos termos colocados pela norma objeto dessa ADI veicula pretensão de prognose sobre condutas violadoras do princípio da moralidade”, disse o órgão.
Ao analisar os dois argumentos para elaborar a mensagem, a AGU seguiu a linha proposta pela SAJ. No texto, a PGFN é citada apenas de maneira lateral, em um trecho que discute a importância geral da Lei das Estatais e não entra no teor dos dispositivos que tratam de indicações políticas.
Na mensagem encaminhada por Lula, a AGU argumenta que o Brasil possui instituições capazes de fazer o controle e prevenir irregularidades, como o TCU (Tribunal de Contas da União), e de investigar e punir quem as cometeu, como Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário.
Segundo a mensagem, o receio antecipado de que qualquer indivíduo que se enquadre nas vedações “vá atuar de forma ímproba e fora do padrão ético-funcional esperado” trata as atividades políticas como transgressoras e sanciona antecipadamente quem as exerce “com vedações e limitações ao exercício de direitos que deveriam ser igualmente garantidos para todos”.
“Pelo contrário, a atividade político-partidária deve ser incentivada para todos os cidadãos e valorizada pelos Poderes constituídos, pois apenas por meio dela se alcança a participação efetiva do povo na coisa pública, o que é a base da democracia”, afirma.
Procurada, a AGU afirma que a diferença de entendimentos entre PGFN e SAJ “é comum quando unidades diferentes são chamadas pela CGU, órgão central do consultivo da AGU, a se manifestar sobre questões jurídicas que envolvem determinada matéria”.
A AGU afirma que, no fim, a compreensão sobre o tema foi de que existe “falta de proporcionalidade e de razoabilidade nas restrições impostas pela lei em sua redação atual” em relação às vedações a cargos de direção e de conselho de administração de estatais.
O órgão diz ainda que a mensagem encaminhada ao STF se relaciona com sua atribuição de assessoramento jurídico do Poder Executivo, mas que ainda se manifestará no processo como “curadora da legislação e representante judicial da União”.
A manifestação da AGU condiz com a avaliação de integrantes do governo quanto à necessidade de flexibilização da Lei das Estatais, especialmente para a redução do prazo de quarentena. Colaboradores diretos de Lula discordam, no entanto, do que chamam de permissividade do projeto saído da Câmara e defendem o aperfeiçoamento do texto no Senado.
Esses assessores palacianos defendem, por exemplo, a fixação de critérios para análise de currículo de indicados para estatais, incluindo análise de gastos de suas campanhas. No Congresso, a derrubada das vedações atende a interesses suprapartidários por permitir a nomeação de deputados da legislatura passada que não se reelegeram para a atual.
ENTENDA A DISCUSSÃO
Lei das Estatais e lei sobre a gestão das agências reguladoras hoje:Pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral não pode ocupar o conselho de administração ou a diretoria das estatais nem o conselho diretor ou a diretoria colegiada das agências reguladoras.
Como ficam ambas as leis com as alterações via projeto de lei em discussão no Senado:Passam a permitir esses casos, desde que a pessoa que tenha atuado nessas situações comprove o seu desligamento da atividade com antecedência mínima de 30 dias à posse no cargo.
O que o governo discute articular e inserir no projeto de lei:Fixar critérios de avaliação dos currículos dos candidatos aos cargos, bem como chegar a um meio-termo no prazo da quarentena exigida nesses casos.
José Marques/Catia Seabra/Folhapress
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