Lira e Pacheco silenciam sobre ‘mudança fantasma’ bancada pelo Congresso

Reportagem da Folha mostrou que congressistas estão recebendo neste início de ano verba que totaliza mais de R$ 40 milhões e que tem como justificativa uma situação que não encontra amparo na realidade.

A Folha enviou perguntas por email ao gabinete dos cinco senadores e de todos os cerca de 280 deputados federais reeleitos e pediu, entre outros pontos, comprovante de gastos ou de orçamentos relacionados à mudança do estado para Brasília, ou vice-versa.

Procurou também as assessorias das duas Casas e, diretamente, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Lira, que foi reeleito e receberá duas vezes neste início do ano a verba para a “mudança fantasma”, e Pacheco, que está no meio do mandato de oito anos, não se pronunciaram.

Quase todos os 513 deputados federais e 27 senadores da legislatura que teve início no dia 1º, além de quase todos os 513 deputados e 27 senadores da legislatura que terminou em 31 de janeiro, embolsaram ou embolsarão R$ 39,3 mil brutos a título de ajuda de custo para se mudarem para Brasília ou para fazerem o caminho inverso, de volta aos estados de origem.

Desse total, cinco senadores e cerca de 280 deputados federais reeleitos receberam ou receberão duas cotas da verba-mudança, uma pelo fim da legislatura passada e outra pelo início da atual, somando R$ 78,6 mil extras neste início de ano.

A verba-mudança é paga até mesmo para os deputados federais e senadores que foram eleitos pelo Distrito Federal.

Além de não haver nenhuma justificativa do fornecimento de auxílio-mudança para quem já mora na capital federal e para reeleitos, que trabalham e continuarão a trabalhar no Congresso, os demais casos —daqueles que de fato deixaram de ser congressistas e os que ingressaram na Câmara ou Senado pela primeira vez— também são questionáveis.

O Congresso já fornece aos parlamentares outras generosas cotas para custeio de passagens aéreas e hospedagem, entre outros gastos, além de há muitas décadas não ser mais comum deputados e senadores se mudarem em caráter permanente para a capital federal.

A Câmara disse que só após o pagamento da próxima terça terá um balanço sobre eventuais devoluções. O Senado afirmou que todos os senadores em fim e início de mandato receberam a verba, a exceção de Reguffe (DF), que renunciou ao benefício.

Nenhum dos senadores reeleitos —Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), Omar Aziz (PSD-AM), Otto Alencar (PSD-BA), Romário (PL-RJ) e Wellington Fagundes (PL-MT)—, além de Damares Alves (Republicanos), que é do DF, responderam.

Eles afirmaram que recusaram ou devolveram a verba para a Câmara ou que vão doar o dinheiro para instituições de caridade.

“Não considero adequado o pagamento do auxílio-mudança. Não só agora, como reeleito, mas também em minha primeira legislatura doei os valores recebidos para entidades sociais. Em 2019, doei em prol do Hospital de Pronto Socorro do Município de Pelotas [RS]. Este ano, doarei a três instituições gaúchas”, afirmou Trzeciak, acrescentando ter apresentado em 2019 e agora em 2023 projetos de decreto legislativo para acabar com o pagamento da verba para os reeleitos.

“Entendo que não tem necessidade, considerando que a gente não vai mudar de lugar nenhum, mas como o recurso é depositado, eu já tinha assumido o compromisso de que iria doar”, afirmou Veras, que mora em Taguatinga, cidade satélite de Brasília, e está assumindo o primeiro mandato na Câmara.

Sanderson enviou à reportagem comprovante de GRU (Guia de Recolhimento da União) com devolução para a Câmara, no último dia 9, da íntegra do valor líquido recebido a título do auxílio em janeiro (R$ 28,5 mil). Ele afirmou que fará o mesmo com o segundo repasse.

Erundina afirmou considerar abusivo o pagamento e esperar que ele seja extinto, o que, segundo ela, “contribuirá para a preservação da imagem do Poder Legislativo, atualmente desgastada, o que não é positivo para a democracia”.

Ela disse ter encaminhado ofício a Lira renunciando ao benefício e solicitando instrução para a devolução dos valores.

Russomanno afirmou ter devolvido para os cofres da Câmara R$ 3,6 milhões da verba de gabinete, durante seus mandatos, além de não cobrar da Câmara ressarcimento pelo aluguel do escritório político no estado nem usar em Brasília apartamento funcional ou auxílio-moradia. Ele afirma que compensará o valor da verba-mudança continuando a cortar o uso da verba de gabinete.

“Considero o valor do auxílio-mudança um absurdo por si só, mas para os reeleitos chega a ser revoltante. Assim como no primeiro mandato, eu renunciei aos seguintes privilégios: auxílio-mudança, auxílio-moradia, auxílio-saúde e aposentadoria especial, com economia de mais de R$ 5,7 milhões”, disse Gilson Marques.

Adriana Ventura afirmou que um deputado que ganha R$ 39,3 mil não deveria ter benefícios extras e que os considera imorais.

“Quando tratamos então de um deputado reeleito, que já está morando em Brasília, a situação é ainda mais absurda! Eu, bem como todos os deputados do Novo, abri mão de todos os privilégios, inclusive o auxílio-mudança, desde o meu primeiro mandato. Inclua aí: auxílio moradia, aposentadoria especial, reembolso ilimitado de saúde, entre outros.”

Ranier Bragon/Folhapress

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