Novo sistema para fiscalizar ouro extraído de garimpo está em discussão, diz BC ao STF
Foto: Lalo de Almeida/Folhapress |
O modelo em estudo inclui a “adoção de notas fiscais eletrônicas para as primeiras aquisições de ouro, que possibilitariam a supervisão dessa atividade”.
De acordo com a autarquia, os entes públicos, com a participação do MPF (Ministério Público Federal), buscam encontrar soluções tecnológicas para que as transações com ouro recém-extraído se tornem mais “transparentes e auditáveis”.
Conforme mostrou a Folha, uma instrução da Receita Federal de 2001, alterada em 2010, que trata do ouro como ativo financeiro, diz que a nota fiscal deve ser emitida por instituição financeira ou cooperativa de garimpeiro autorizada pelo BC. Mas a norma também determina que esse documento, em pleno século 21, deve ser obrigatoriamente emitido em papel.
Não houve, na norma, justificativa para a decisão, considerada mais estranha pelo fato de o ouro como mercadoria ter nota eletrônica.
Na semana passada, o ministro Gilmar Mendes solicitou informações à ANM (Agência Nacional de Mineração) e ao BC sobre o tema. Ele é o relator de uma ação de autoria do PV para questionar trecho da lei das DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários) relativo à aquisição de ouro produzido em áreas de garimpo.
De acordo com o partido, a norma reduz a responsabilidade das distribuidoras por irregularidades referentes à origem do minério, ao possibilitar que comprem o metal com base no princípio da boa-fé, que considera exclusivamente informações prestadas pelos vendedores.
A DTVM é um elo fundamental na cadeia de legalização de ouro retirado de terras indígenas e áreas de reserva. São nessas empresas que o garimpeiro ilegal pode apresentar uma permissão de lavra forjada e sair com a nota fiscal que torna o produto legal para ser transportado e negociado.
No documento apresentado ao STF, o BC diz que sua atuação é voltada somente ao “ouro ativo financeiro”, ou seja, afirma que cabe a ele supervisionar o minério a partir do momento que é adquirido por uma instituição financeira, mesmo em seu estado bruto.
A extração do metal e as demais ações, como transporte, refino ou comércio, não seriam então objeto da ação da autoridade monetária, por não integrarem o sistema financeiro.
“A partir do momento em que adquirido por instituição componente do sistema financeiro, o ouro passa a integrar o ativo da instituição supervisionada e, nessa qualidade, está sujeito à supervisão do Banco Central”, afirma.
“A fiscalização que compete ao Banco Central é tão somente a da regularidade da contabilização do ouro nos registros contábeis das entidades sujeitas à sua supervisão”, diz o texto.
Antes disso, segundo a autoridade monetária, a competência para fiscalização do ouro é da ANM e da Secretaria da Receita Federal, responsável pela questão tributária.
“A classificação do ouro como ativo financeiro ou mercadoria, incomum no mercado internacional, tem relevância estritamente tributária, sem qualquer implicação no âmbito da regulação do sistema financeiro. Noutros termos, o ouro não se distingue de outros ativos negociados no âmbito do mercado financeiro”, afirma.
Diferentes organismos preocupados com o combate ao garimpo ilegal consideram a presunção de boa-fé o principal instrumento para “esquentar” o ouro ilícito no Brasil.
Hoje, com a lei nº 12.844, basta a palavra do vendedor do minério para atestar que a origem do ouro é legal. O comprador presume que ele diz a verdade, e não será punido se um dia for comprovado o contrário.
Na prática, porém, essa lei limita a fiscalização, pelo BC, de instituições financeiras credenciadas a operar com ouro. Também compromete a punição criminal desses estabelecimentos, caso uma investigação comprove que o ouro saiu de uma reserva ambiental, por exemplo.
O fim da presunção da boa-fé abriria caminho para se romper esse ciclo.
Em julho do ano passado, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi alertado sobe os crescentes prejuízos da boa-fé por um grupo que incluiu representantes do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Instituto Ethos, Isa (Instituto Socioambiental) e Instituto Escolhas, que já publicou vários levantamentos sobre as consequências socioambientais e econômicas do garimpo ilegal.
Como mostrou a Folha, levantamentos e investigações sobre o comércio ilegal apontam que o ouro extraído de lavras clandestinas é legalizado no sistema financeiro por um grupo pequeno de instituições.
O Boletim do Ouro, por exemplo, identificou que praticamente sete toneladas de ouro ilegal produzidas entre janeiro de 2021 e junho de 2022 foram “esquentadas” por cinco DTVMs e um laboratório. Os pesquisadores não divulgam os nomes, porque as empresas estão sob investigação de diferentes autoridades.
Nathalia Garcia, Folhapress
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