STF julga restringir alcance da Justiça Militar em meio a investigações sobre o 8/1
O STF (Supremo Tribunal Federal) volta a analisar nesta semana uma ação que restringe a possibilidade de julgamentos de crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas na Justiça Militar.
O julgamento é retomado pouco mais de um mês após os ataques antidemocráticos contra as sedes dos Três Poderes em Brasília e em meio ao debate sobre a quem cabe julgar militares que tenham participado desses atos.
Apresentada em 2013 pelo então procurador-geral da República Roberto Gurgel, a ação questiona o dispositivo de uma lei que torna a Justiça Militar responsável por analisar crimes que acontecem no chamado “exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas”, como em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).
Um exemplo de crime normalmente citado por entidades ligadas aos direitos humanos e que também se opõem a esse dispositivo é a tortura. Essas entidades exemplificam que atualmente, se um integrante do Exército tortura alguém em uma operação de GLO em uma favela, ele não é julgado pela Justiça comum —mas pela Justiça Militar.
Embora não tenha uma relação direta com os atos golpistas, o julgamento acontece em meio a um cenário de questionamentos a respeito de investigações sobre os militares que participaram dos ataques antidemocráticos incentivados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
Há divergências sobre o órgão que deve ser responsável pelo julgamento de eventuais crimes cometidos pelos fardados —há diferentes visões sobre o tema, tanto entre especialistas, na Polícia Federal e no governo.
A questão pode eventualmente chegar ao Supremo, que teria que definir de quem é a competência para o julgamento desses crimes.
A ação da PGR de 2013 levou um tempo para ser julgada STF. À época, Gurgel queria que houvesse urgência na análise, já que “as Forças Armadas, pelo menos no Rio de Janeiro, já estão atuando no combate ao crime, mediante a ocupação de favelas”.
“O que significa que delitos cometidos por militares contra civis estão sendo submetidos à Justiça castrense [Militar], com toda a carga de violação a direitos humanos que o fato significa”, disse o então procurador-geral.
O processo começou a ser analisado no plenário do Supremo em 2018, com a relatoria do ministro Marco Aurélio, que tratou o assunto como “matéria sensível” e votou pela ação como improcedente. Ou seja, pela manutenção da lei atual.
“Esta ação direta enseja discussão de envergadura maior, não devendo ser tomada como simples deliberação a respeito dos limites de competência da Justiça castrense”, diz o voto de Marco Aurélio.
À época, Alexandre de Moraes seguiu Marco Aurélio em seu posicionamento. “No caso sob julgamento, portanto, não houve aumento de hipóteses de crimes militares e não houve aumento da incidência da lei penal militar ou processual penal militar em relação a civis”, diz o voto de Moraes.
“O que houve foi estabelecer de forma clara e taxativa as atividades de garantia da Lei e Ordem, que são atividades consideradas militares”, acrescentou.
Edson Fachin foi o primeiro dos ministros a divergir. “É incompatível com o ideal republicano, mediado pelo direito à igualdade, a criação de jurisdições que, sem base normativa constitucional, criem distinções entre as pessoas”, disse o ministro em seu voto.
Fachin afirmou ainda que a competência da Justiça Militar é restrita e limitada aos crimes militares. “Não cabe, portanto, ao legislador, ampliar o escopo da competência da Justiça Militar às ‘atividades’ ou, ainda, apenas ao ‘status’ de que gozam os militares”.
À época, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista (mais tempo para análise) da ação e a devolveu, no fim do ano passado, em plenário virtual, plataforma na qual os integrantes do Supremo depositam os seus votos durante um determinado período de tempo. Barroso votou com Marco Aurélio e Moraes.
Após mais um pedido de vista, dessa vez do ministro Ricardo Lewandowski, a ação volta a ser julgada no plenário virtual até esta sexta-feira (17). Lewandowski votou com Fachin, o que deixou o caso em três votos a dois.
“A norma questionada cria uma espécie de hipótese de foro por prerrogativa de função. Contudo, esta Suprema Corte já decidiu que só o texto constitucional pode elencar os agentes públicos que gozam de tal privilégio”, disse ele ao votar.
Até as 12h desta terça-feira (13), ainda eram necessários os votos dos ministros Kassio Nunes Marques, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. André Mendonça, que substituiu Marco Aurélio, não vota.
Nesta semana, o STF foi acionado em outro processo que também é relacionado à atuação das Forças Armadas.
Ao Supremo o PSOL pediu a “nulidade parcial sem redução de texto do artigo 142 da Constituição”, com o objetivo de declarar inconstitucional “todas as variantes interpretativas que caracterizem as Forças Armadas como ‘Poder Moderador’”.
A ação é assinada por uma equipe de advogados, entre eles Walfrido Warde, Rafael Valim e Pedro Serrano —este último tem sido apoiado por grupos de advogados para ser indicado ao Supremo.
A ação também quer vetar interpretações que ampliem as atribuições do artigo “para além daquelas fixadas pelo texto constitucional, notadamente aquelas que se lhes arrogam competências de arbitrar, mediante o uso de suas coisas e de suas pessoas, eventuais dissensos e conflitos entre Poderes de Estado”.
Também pedem que não seja permitido interpretações que “permitam a ruptura total ou parcial do regime democrático vigente” ou a “instauração de governo de exceção pelas Forças Armadas ou civis apoiados por elas”.
José Marques, Folhapress
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