Há disposição na Venezuela em pagar dívida de US$ 682 milhões com Brasil, diz Amorim

A dívida de quase US$ 682 milhões que a Venezuela possui com o governo brasileiro foi um dos assuntos do encontro do assessor especial da Presidência Celso Amorim com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, na quarta-feira, 8. Amorim visitou Maduro no Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano, em Caracas. Foi o primeiro encontro institucional divulgado entre autoridades dos dois países desde a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro.

Segundo Amorim, há disposição por parte do governo da Venezuela em ressarcir os cofres brasileiros, embora os detalhes do pagamento não tenham feito parte da conversa. “Não sei se é dívida só com o BNDES. Há uma questão de seguro de crédito. Mas, não fui com uma missão técnica, fui apenas com dois assessores diretos. Não houve nenhum esboço de negação da dívida e há total disposição de acertar. Não me cabia conversar se vai acertar em uma vez, duas vezes, mas há disposição em reprogramar e ressarcir”, afirmou Amorim à reportagem.

O governo da Venezuela tem um total de US$ 682 milhões em pagamentos atrasados de sua dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), conforme dados atualizados até dezembro de 2022 e disponíveis no site da instituição de fomento. Dos atrasados, a maior parte, US$ 658 milhões, já foram cobertos pelo FGE, o fundo de garantias do Tesouro Nacional. A Venezuela ainda tem US$ 123 milhões em parcelas da dívida a vencer.

O BNDES chegou a contratar US$ 2,970 bilhões em financiamentos para obras no país vizinho, mas, desse valor, foram liberados US$ 1,507 bilhão. O site do BNDES lista sete obras públicas venezuelanas tocadas por construtoras brasileiras, com financiamento do banco de fomento.

A viagem de Amorim à Venezuela foi organizada sob discrição no governo Lula. Segundo ele, também foi falado sobre a realização de eleições no país no ano que vem. “Falamos de todos os assuntos. Eu não fiquei questionando ele (Maduro), mas ele sabia que eu iria me encontrar com a oposição e não criou nenhuma dificuldade para isso”, afirmou Amorim.

Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil apoiou a estratégia internacional de pressão máxima (quando países começam a adotar sanções, por exemplo, ou outras medidas unilaterais) sobre o regime chavista, que passou pelo reconhecimento de Juan Guaidó, opositor, como presidente interino da Venezuela. Antes mesmo de tomar posse, Lula indicou que adotaria política diferente da de Bolsonaro e que abriria canal de diálogo com Maduro.

“Foi uma visita para ter o contato, mostrar que a gente tem interesse em ter uma relação importante, contribuir com uma retomada, na medida das nossas possibilidades, econômica; conversar sobre estabilidade política e também sobre a democracia. É um processo que já está em curso, o diálogo”, afirmou Amorim, ministro das Relações Exteriores de 2003 ao fim de 2010, durante os dois primeiros mandatos de Lula.

“Ninguém ignora que há problemas, mas há um diálogo hoje como não havia antes. Todos estão voltados para a eleição e não para a derrubada de governo, e há um interesse em facilitar investimentos na Venezuela. As pessoas estão andando, circulando e olhando para uma solução”, afirmou o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O encontro entre Maduro e Amorim foi revelado através de uma publicação feita pelo presidente venezuelano em suas redes sociais. “Estamos comprometidos em renovar nossas ferramentas de união e solidariedade, que garantam o crescimento e o bem-estar da Venezuela e do Brasil”, publicou Maduro na quinta-feira, 9.

Obras

O maior projeto financiado pelo BNDES na Venezuela é a construção da Usina Siderúrgica Nacional, tocada pela empreiteira Andrade Gutierrez. A obra que teve um empréstimo de US$ 865 milhões contratado em 2010. Em meio às investigações da Operação Lava Jato, o financiamento seria suspenso. Outro projeto de destaque é construção da Linha 2 do Metrô de Los Teques, a cargo da Odebrecht, que recebeu empréstimo de US$ 862 milhões. Esse financiamento também seria suspenso.

Sobre as obras, pairam suspeitas de corrupção, envolvendo a contratação das construtoras pelo governo venezuelano. Desde que as polêmicas operações passaram a ser questionadas, o BNDES vem dizendo que seguiu todas as regras para a concessão de financiamento para o comércio exterior. Como os financiamentos tinham a garantia do FGE, fundo do Tesouro Nacional, o banco seguiu as condições financeiras definidas pelo governo federal para esse tipo de operação.

No financiamento a obras no exterior, operação comum nas agências de crédito às exportações de vários países, os empréstimos são firmados em combinação com a contratação de uma construtora nacional (no caso , uma empreiteira do Brasil). O país estrangeiro – no caso de obras públicas – ou a empresa estrangeira contrata a empresa, conforme suas regras de licitação, e o BNDES financia. Os recursos são liberados diretamente para a construtora nacional, e o cliente dela, seja governo, seja empresa privada, fica devendo para o banco de fomento. Quando o financiamento inclui obras públicas, também é comum a participação dos governos, oferecendo garantias – no caso do Brasil, a garantia é oferecida pelo FGE.

No total, o BNDES desembolsou US$ 10,5 bilhões em financiamentos a obras no exterior, em 15 países, desde fins dos anos 1990. Até dezembro do ano passado, o banco recebeu de volta US$ 12,867 bilhões, considerados juros e correção, e já incluindo as indenizações por calotes. Angola foi o país que mais recebeu empréstimos – e já pagou tudo de volta. A Argentina foi o segundo país que mais recebeu – e ainda tem uma parcela final de US$ 29 milhões para quitar. Empreiteira com mais contratos no exterior, a Odebrecht, que praticamente desapareceu após ser atingida em cheio pela Lava Jato, ficou com US$ 7,984 bilhões, 76% do total.

Questionado nesta sexta-feira, 10, sobre eventuais novos atrasos de pagamentos por parte da Venezuela, a partir de janeiro deste ano, e sobre eventuais tratativas para a retomada dos pagamentos em atraso, o BNDES não retornou até a publicação deste texto.

Política externa

Nesta semana, o posicionamento da política externa brasileira sobre regimes autoritários na América Latina teve repercussão nacional e internacional, depois que o Brasil decidiu não endossar uma declaração no Conselho de Direitos Humanos da ONU com condenações ao regime do ditador Daniel Ortega, na Nicarágua.

Segundo Amorim, o Brasil não vai se juntar a grupo que defenda sanções. “Estamos nos posicionando de maneira clara, mas o objetivo não é apenas mostrar o dedinho e criticar. Criticando, se necessário, manifestando preocupação, mas se possível buscando ajudar”, afirmou. Ele disse que o Brasil reconhece a deterioração da situação na Nicarágua e as violações a direitos humanos que ocorrem.

Beatriz Bulla/Vinicius Neder/Estadão

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