Lula patina com articulação, e trava em nomeações põe em risco votações no Congresso

A demora do governo em destravar a nomeação de indicados de partidos políticos para cargos do Executivo tem irritado aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Correligionários afirmam que as dificuldades para negociar os cargos podem levar a uma rebelião na base de Lula no Congresso. O primeiro teste deve ser a análise da proposta que restabelece o chamado voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), visto como essencial para aumentar a arrecadação e equilibrar as contas públicas do país.

O governo já recebeu a lista de postos estratégicos em que cada sigla tem interesse, mas poucos pedidos foram atendidos. Muitas funções do segundo escalão não têm titular desde o início do ano, o que, segundo relatos de servidores, atrapalha o andamento de ações em curso nos ministérios.

Há situações inclusive de nomes que foram escolhidos e já estão despachando nos ministérios —mas ainda não foram nomeados. Esse é o caso de secretarias nos ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente e de Portos e Aeroportos.

As negociações do Palácio do Planalto ocorrem tanto com partidos que integram a base aliada como com parlamentares que estão em legendas de oposição, mas têm simpatia pelo governo e podem entregar votos importantes no Congresso.

O Podemos, por exemplo, tem um viés mais à direita e não pretende apoiar publicamente o governo, mas deve ser beneficiado com cargos. O partido negocia para escolher o chefe do Geap, plano de saúde dos funcionários públicos federais.

O comando do órgão é muito disputado por ter um orçamento milionário e diversos cargos nas superintendências nos estados.

O Republicanos, por sua vez, apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições do ano passado, mas uma ala do partido promete votar a favor de propostas governistas no Legislativo caso tenha cargos no Executivo.

O partido pressiona para indicar o chefe da Diretoria de Articulação e Projetos Educacionais do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). O fundo bilionário ligado ao Ministério da Educação é cobiçado também por partidos de fora do centrão.

O PV é uma das siglas mais insatisfeitas da base. A legenda está na mesma federação que o PT, assim como o PC do B, e tem o mesmo número de deputados que os comunistas.

O tratamento dispensado às duas siglas, porém, é diferente. O PC do B emplacou a ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, e um secretário do Ministério da Saúde, enquanto o PV está fora do primeiro escalão da Esplanada.

O PV tem um filiado na presidência do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Trata-se de Leandro Grass, candidato a governador do Distrito Federal derrotado em outubro.

A direção da legenda entregou ao Palácio do Planalto uma lista com dez cargos que tem interesse, com a ressalva de que quatro deles já seriam suficientes para contemplar o partido.

Além de um posto na direção do FNDE, o PV também deseja indicar uma diretoria em Itaipu Binacional e o comando do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), entre outros cargos.

Um integrante do partido já foi nomeado para cargo no BNDES, mas a sigla alega que essa designação foi na cota pessoal do novo presidente do banco estatal, Aloizio Mercadante (PT).

As promessas feitas à sigla se intensificaram após a disputa pela Mesa Diretora da Câmara, quando a deputada Maria do Rosário (PT-RS) foi eleita para ocupar a segunda Secretaria da Casa após negociação para que o PV não disputasse o mesmo posto.

Pressionados por deputados e senadores, integrantes do Palácio do Planalto têm se dividido na explicação sobre a demora para que as indicações se concretizem. De um lado, a Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação do governo, diz que as designações estão demorando por causa da análise curricular feita pela Casa Civil.

De outro, a Casa Civil aponta demora das Relações Institucionais na definição de prioridades para ocupação dessas funções.

A avaliação da classe política, no entanto, é que parte da demora faz parte da estratégia do Palácio do Planalto de aguardar as primeiras votações importantes no Congresso para liberar as indicações.

Um assessor palaciano lembra que a base ainda não foi submetida a uma prova de fogo no Legislativo para que o governo possa identificar aliados merecedores de um espaço na administração.

As críticas à articulação política na negociação pelas nomeações vão de partidos do centrão e de siglas que apoiaram Lula desde o primeiro turno até integrantes do próprio PT.

Além disso, partidos dizem que as mudanças de interlocutores de Lula para esse tipo de negociação também dificultam as articulações. Durante a campanha, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PT), comandou as conversas com as legendas aliadas.

No governo, isso está a cargo de Alexandre Padilha, ministro da Secretaria de Relações Institucionais, que em conversas com aliados já disse desconhecer promessas feitas pela presidente de seu partido no período eleitoral.

O governo, por sua vez, se defende e diz que o atraso nas nomeações também ocorre por culpa da própria base. Os cargos federais nos estados, por exemplo, foram prometidos às bancadas estaduais do Legislativo. Segundo governistas, os parlamentares não conseguem chegar a um acordo e a falta de nomes de consenso atrapalha as indicações.

Além disso, há uma resistência em partidos do centrão com a ordem de Lula de manter cargos para partidos que eram base de Bolsonaro, mas trocar os indicados para não prejudicar o discurso presidencial de que é necessário “desbolsonarizar” o Executivo.

Matheus Teixeira e Catia Seabra / Folha de São Paulo

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