Servidores do Ministério Público relatam assédio sistemático de chefes, mostra pesquisa
Em abril completa um ano e seis meses que os servidores do Ministério Público em níveis federal e estaduais reivindicam a criação de um programa de saúde mental junto ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
A proposta foi protocolada no conselho em 2021 junto com a apresentação de uma pesquisa encomendada pela Comissão de Saúde da própria instituição, que buscou analisar os riscos psicossociais no Ministério Público brasileiro. As respostas relacionadas à violência psicológica e ao assédio no ambiente de trabalho surpreenderam, pois indicaram recorrentes hostilidades da parte de superiores hierárquicos.
Foram citados subprocuradores, procuradores e seus assessores, tanto comissionados quanto em cargos efetivos.
O Ministério Público, nas diferentes esferas, tem entre suas funções zelar pelos interesses sociais e individuais. O conselho da instituição é composto, em sua maioria, por procuradores, além de advogados e representantes da magistratura e do Congresso.
“A gente vinha percebendo o adoecimento dos colegas, tanto por sobrecarga de tarefas quanto por causa dos assédios no ambiente de trabalho, mas todo mundo tem medo de falar por causa do risco de represália, e a gente ficava limitado”, diz Erica Oliveira, que trabalha na Fenamp (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos Estaduais).
“O levantamento trouxe estatística para demonstrar a urgência em relação à questão e nos deu os dados para que pudesse fazer reivindicações”, prossegue.
Intitulada “Atenção à Saúde Mental de Membros e Servidores do Ministério Público: fatores psicossociais no trabalho no contexto da pandemia de Covid-19”, a pesquisa foi concluída em outubro de 2021, quando a maioria estava em home office. Para os pesquisadores, ela mede o ambiente laboral como um todo, e as respostas podem ter sido mais francas por causa do distanciamento físico da repartição pública.
A pesquisa, realizada pela Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e sua fundação, a Faurrgs, ouviu 4.077 integrantes do Ministério Público em 26 estados e do Distrito Federal, entre membros e servidores efetivos e em cargos de comissão.
No estudo, 77,2% dos entrevistados afirmaram ter sofrido algum tipo de constrangimento emocional, sendo que 50,1% se declararam vítimas de assédio moral e outros 27,1% disseram que foram alvo de violência psicológica.
Do total de participantes 6,7% afirmaram já terem pensado em acabar com a própria vida.
Do total, 85% apresentaram um risco aumentado de adoecimento psicológico. Quando perguntado se havia iniciado algum tratamento de saúde mental após o ingresso na instituição, 42,4% responderam que sim, sendo que 16,5% afirmaram ter recorrido a um psicológico, 6%, um psiquiatra, e 19,9%, a ambos.
O estudo concluiu que os problemas eram ignorados. Prevalecia a percepção entre os servidores que a melhor alternativa para manter o bom ambiente no trabalho era ficar calado. Tristeza, revolta, impotência, medo e frustração são alguns dos sentimentos listados por quem foi alvo ou testemunha de uma agressão psicológica.
A pesquisa transcreve declarações anônimas de assédio, tanto moral como sexual (leia alguns trechos abaixo). A reportagem também ouviu servidores que denunciaram hostilidades na condição de não terem os nomes divulgados.
Houve relatos de importunação, como o chefe dizer constantemente a uma servidora as vantagens de sair com ele. Humilhação, como ser obrigado a catar papel no chão ou ser repreendido na frente de colegas por não atender rapidamente uma demanda.
O assediador pune quando é denunciado. Costuma processar o autor da denúncia, tanto na esfera administrativa quanto na Justiça, inclusive criminalmente. Mesmo que perca todos os pleitos, o acusado de assédio continua abrindo processos, inviabilizando a vida profissional de quem fez a denuncia.
Alexa Salomão / Folhapress
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