Ação de bancadas conservadoras e big techs contra PL das Fake News ameaça votação de projeto
A pressão contra o Projeto de Lei das Fake News ameaça a votação da proposta na Câmara, nesta terça-feira, 2. Deputados bolsonaristas, bancadas conservadoras e empresas de tecnologia como Google, Facebook e TikTok aumentaram a mobilização para barrar o andamento do projeto, levando mais deputados a se posicionar contra a mudança na lei. O texto tem apoio do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o Palácio do Planalto admite dificuldades para a votação.
Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dizem que a decisão para definir se o projeto será ou não votado nesta terça-feira somente será tomada após uma reunião de líderes em Brasília, antes da sessão da Casa.
“A base do governo, que poderia apoiar essa medida, ainda está em formação, e eu não tenho convicção de que essa base tem solidez para ter o papel que deveria ter num debate como esse”, afirmou o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), durante uma live do Instituto Conhecimento Liberta.
Queda de braço
As empresas de tecnologia entraram em campo para barrar a votação. O Google inseriu em sua página inicial na internet um artigo contra o projeto. Embaixo da barra de pesquisa, a mais usada hoje no mundo, internautas tinham acesso a um link do texto da big tech sob o título “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.
Escrito pelo diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, o texto afirma que o projeto pode aumentar a desinformação no Brasil porque as plataformas ficariam impedidas de excluir publicações jornalísticas com informações falsas. “Uma das consequências indesejadas, por exemplo, é que o PL acaba protegendo quem produz desinformação, resultando na criação de mais desinformação”, diz o artigo.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, reagiu. “Estou encaminhando o assunto à análise da Secretaria Nacional do Consumidor, órgão do Ministério da Justiça, à vista da possibilidade de configuração de práticas abusivas das empresas”, escreveu Dino no Twitter.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), foi na mesma linha. “Solicitarei ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), cautelarmente, a remoção do conteúdo, abstenção de reiteração de práticas análogas e fixação de multa no valor máximo de 20% do faturamento bruto, além do bloqueio cautelar nas contas bancárias do Google”, afirmou o senador em suas redes sociais.
A queda de braço está cada vez mais acirrada. O partido Republicanos, que havia votado a favor da tramitação do projeto em regime de urgência, agora se posiciona contra a proposta. A legenda tem vínculos com a Igreja Universal do Reino de Deus e controla uma bancada de 42 deputados. Na semana passada, quando a Câmara aprovou o regime de urgência, 28 deputados da sigla votaram a favor. Apenas oito ficaram contra e seis não votaram.
Como mostrou o Estadão, o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), publicou um vídeo neste sábado, 29, anunciando que o partido votará não ao conteúdo do projeto. “O texto final do projeto que trata das fake news foi apresentado e, apesar de ter agregado algumas das mudanças necessárias, não é o suficiente”, disse Pereira. A legenda fará uma reunião com seus integrantes na terça, antes da sessão, para avaliar os próximos passos.
O relator do PL das Fake News fez uma série de alterações no texto, na tentativa de aprová-lo. Silva retirou o trecho que previa a criação de uma autoridade autônoma de fiscalização das plataformas digitais – criticada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro – e avalia pôr a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para fiscalizar o cumprimento da lei. Outra opção é estabelecer normas para as próprias empresas se autorregularem, deixando para a Justiça a avaliação sobre casos específicos.
Após críticas da bancada evangélica, Silva também incluiu no projeto “o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”. Os deputados do grupo alegaram que o PL das Fake News iria censurar a liberdade religiosa. As mudanças, porém, não surtiram efeito. O relator acusou as big techs de empreenderem uma “ação suja” para sabotar as discussões sobre o texto.
Deputados contrários ao projeto criaram, ainda, um site com um “placar” para incentivar os internautas a pressionar os colegas favoráveis ao texto a mudar de posição. A proposta foi batizada como “PL da Censura” pela oposição ao governo.
Na noite desta segunda-feira, 1, o “placar” on line mostrava 241 parlamentares votando “pela liberdade” e 216 “pela censura”. A contabilidade indicava votos contrários e favoráveis ao texto, respectivamente, com base em declarações públicas. O site trazia o nome dos deputados e uma opção para que os internautas cobrassem a mudança de posição daqueles parlamentares favoráveis ao projeto.
“Hoje acho que não tem voto (para aprovar)”, disse o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da Frente Parlamentar Evangélica, ao destacar que a bancada é contra o PL das Fake News, mesmo com mudanças no relatório.
Boicote
Silva participava, na noite desta segunda-feira, 1, de uma conversa ao vivo pelo Twitter, por meio do serviço Twitter Spaces, chamada de “Big Techs censuram PL 2630″, quando o áudio caiu justamente quando ele falava. Influenciadores que estavam na transmissão citaram a possibilidade de um boicote ao relator do projeto, depois de internautas não conseguirem publicar críticas à proposta no Twitter.
A mobilização contra o PL das Fake News, o posicionamento do Republicanos e as resistências da bancada evangélica preocuparam aliados de Lira, que avaliam riscos para a votação, nesta terça-feira, 2. “Não vejo que as negociações avançaram. Os deputados contrários passaram a enxergar o lado ideológico, sem aprofundar o debate”, afirmou o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL). “As pessoas que estão opinando, em prol de um texto melhor, estão opinando em vão.”
No último dia 25, a Câmara aprovou o regime de urgência do projeto por 238 votos a 192. Apesar de terem ministérios no governo, partidos como União Brasil, PSD e MDB não entregaram maioria de votos a favor da tramitação em regime de urgência, como orientou o Planalto. Apenas 19 dos 59 deputados do União Brasil seguiram a orientação do governo.
No MDB, 21 dos 42 deputados da sigla votaram sim. A ausência do presidente do partido, Baleia Rossi (SP), foi sentida na votação. O placar animou o governo por causa do apoio de 28 deputados do Republicanos, em uma bancada de 42. Agora, no entanto, a ordem da cúpula do partido para que todos votem contra o mérito do projeto causa apreensão no Planalto.
Daniel Weterman/Estadão Conteúdo
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