Brasil mira seu quinhão em mercado de apostas que pode chegar a R$ 904 bi

Os defensores da regulamentação usam a palavra “bilhões”. Ela aparece no contexto do volume de dinheiro, na arrecadação do governo federal, no tamanho do mercado ou em quanto as empresas do setor não pagaram em impostos por causa do limbo legal em que operam.

A ser regulamentada em Medida Provisória que pode se transformar em projeto de lei, as casas de apostas esportivas são quase onipresentes no futebol brasileiro. Patrocinam 19 das 20 equipes do Campeonato Brasileiro da Série A. A exceção na elite do país é o Cuiabá, mas o clube exibia marca de uma companhia do setor no ano passado.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, calcula em até R$ 15 bilhões o volume de impostos a ser arrecadados com a regulamentação. Dados do Banco Central mostram que, no primeiro trimestre deste ano, foram enviados US$ 2,7 bilhões (R$ 13,4 bilhões pela cotação atual) para o exterior em apostas esportivas.

Por outro lado, pouco mais de US$ 1,7 bilhão (R$ 8,5 bilhões) voltou ao Brasil na forma de pagamento de prêmio aos acertadores.

Pelos dados divulgados pelo BNL Data, no compito final, o faturamento das casas pode chegar a R$ 12 bilhões em 2023. Trata-se de um aumento de 71% na comparação com 2020 (R$ 7 bilhões). Mas o tamanho do mercado, considerado todo o dinheiro movimentado, pode ser bem maior.

Em março, o Instituto Jogo Legal estimou que o volume usado para recebimento de apostas e pagamento de prêmios está em cerca de R$ 100 bilhões.

“Se aplicarmos a minuta de proposta de Medida Provisória, vamos observar que foram deixados de lado quase R$ 20 bilhões em arrecadação. Mas a questão de quanto o governo deixou de receber em impostos por causa da falta de regulamentação é algo complexo. Determinar o número exato é difícil”, afirma Cristiano Maschio, CEO e fundador da Qesh, instituição de pagamento que atua no setor.

Visto como país de maior potencial de crescimento na América do Sul, o Brasil representa uma pequena parcela de um mercado que deve crescer 10,3% por ano até 2030.

Estudo divulgado pelo Grand Review Research aponta que as apostas esportivas globais devem pular de US$ 70,23 bilhões em 2021 (R$ 348,75 bilhões pela cotação atual) para US$ 182,12 (R$ 904,37 bilhões) em 2030. Expansão que deverá ser impulsionada, de acordo com a empresa, pelo crescimento da estrutura disponível e por novas regulamentações em diferentes nações. O aparecimento de instrumentos de inteligência artificial e a expansão das criptomoedas vão impulsionar ainda mais o mercado.

APOSTAS EM NÚMEROS

R$ 13,4 bilhões saíram do Brasil via casas de apostas no 1º trimestre de 2023
R$ 8,5 bilhões voltaram ao Brasil em forma de pagamento de apostas
R$ 12 bilhões é o faturamento estimado do setor em 2023 no Brasil
R$ 348,75 bilhões foi o volume de apostas no mundo em 2021
R$ 904,37 bilhões é o previsto para 2030
19 dos 20 clubes da Série A têm patrocínio de casa de aposta
500 casas de aposta operam no Brasil, segundo estimativa
R$ 3 bilhões é quanto elas investem em publicidade

Fontes: Banco Central, BNL Data, Grand Review Research e reportagem

Se a região em maior crescimento é a asiática, os Estados Unidos chamam a atenção pela onda de liberação nos estados, responsáveis por deliberar e estabelecer leis sobre o tema. E o futebol foi o esporte que representou a maior fatia do mercado no país em 2022.

“É uma fonte de receita para os clubes e para o governo, mas não vai resolver nem os problemas dos clubes nem os do governo na arrecadação. No arcabouço fiscal não resolve. São várias fontes que o governo tem ido atrás para conseguir alcançar a meta de deficit primário a zero no ano que vem”, analisa o economista Luciano Nakabashi, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo).

A questão da regulamentação das apostas esportivas aparece no momento em que o Ministério Público investiga o maior escândalo de manipulação de resultados no futebol brasileiro desde 2005, quando a “máfia do apito” foi denunciada. Era um esquema de apostas clandestinas que envolvia o árbitro Edílson Pereira de Carvalho.

Deflagrada em novembro de 2022, a operação Penalidade Máxima investiga grupo que fraudava apostas esportivas em jogos dos campeonatos brasileiros das séries A e B do ano passado e em estaduais de 2023. Mais de 50 jogadores são citados no processo, e 15 foram denunciados até agora. Quatro admitiram culpa e fizeram acordo de não persecução penal com o Ministério Público.

A procuradoria do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) pediu a suspensão de oito atletas investigados. Eles sofreram gancho preventivo de 30 dias.

Os atletas são acusados de receber dinheiro de uma quadrilha de apostadores para, de maneira proposital, levar cartões amarelos e vermelhos ou cometer pênaltis durante os jogos.

Para o Ministério Público, o chefe do esquema é Bruno Lopez de Moura, dono de empresa de agenciamento de atletas e ex-jogador de futsal. Ele está preso. Sua defesa afirma que “as acusações serão formal e processualmente respondidas no momento oportuno”.

“Com as apostas não legalizadas, não é possível usar os canais oficiais, como os bancos, para remeter dinheiro para fora do Brasil, ou no caminho inverso, com a finalidade de pagar operações decorrentes das apostas. O cenário que vemos é que uma parte das médias e grandes empresas do setor aceitou os riscos existentes e fixou operações no país com a finalidade de não perder mercado. Várias outras empresas foram mais cautelosas e aguardam a regulamentação para enfim entrar no Brasil”, define o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em direito desportivo.

As casas de apostas usam uma brecha na legislação para atuar no país. Até a regulamentação, elas não possuem sede e não pagam impostos no Brasil. Qualquer divergência legal tem de ser resolvida no país onde a empresa está registrada. Geralmente, em um paraíso fiscal.

A estimativa do governo federal é que, mesmo nessa situação de precariedade legal, as cerca de 500 casas de apostas que atuam no Brasil invistam anualmente cerca de R$ 3 bilhões em publicidade.

Nos EUA, onde estados discutem limitações à publicidade dessas empresas, a estimativa é que as apostas esportivas tenham movimentado, desde 2018, mais de US$ 220 bilhões (R$ 1 trilhão), segundo o jornal New York Times.

“É crucial estabelecer uma estrutura tributária equilibrada, que dê total transparência ao governo, que não sobrecarregue as operadoras de apostas, incentivando-as a operar legalmente, evitando assim efeitos negativos no mercado. É importante reconhecer que a existência de um mercado de apostas desregulamentado se torna um terreno fértil e pode abrir espaço para grupos de apostadores mal-intencionados que buscam corromper jogadores, árbitros ou outros envolvidos nas competições”, diz Cristiano Maschio.

A expansão das apostas carrega também a preocupação da outra ponta da cadeia. O jogo pode se tornar um vício. Países como o Reino Unido desenvolveram mecanismos de autorregulação das empresas que percebem, na teoria, clientes que podem estar gastando mais do que podem.

No Brasil, esse assunto ainda não foi debatido com maior profundidade.

“No longo prazo, espera-se que o apostador ganhe e perca mais ou menos em uma proporção próxima. Como uma parte vai para o intermediador que oferece o serviço de apostas, a expectativa é que no final o ganho seja negativo [prejuízo]. Então, isso é um lazer. A pessoa não pode contar com isso como uma fonte ou complemento de renda”, afirma Nakabashi.

Alex Sabino, Folhapress

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