Entenda o que o crime organizado tem a ver com a crise da Light

A Light, que entrou nesta sexta (12) com pedido de recuperação judicial, é uma das maiores distribuidoras de energia do país. Atende 4,5 milhões de usuários no Rio de Janeiro, sexto mercado consumidor nesse segmento. No entanto, 20% de sua área de cobertura está em locais dominados por narcotráfico e controle armado de milícias.

Em alguns pontos, como a zona oeste, a milícia chega a fazer ligações em seus empreendimentos imobiliários usando a energia da Light e cobrando do consumidor final como se produzisse a energia.

Em áreas onde a ligação é da distribuidora, a milícia cobra taxa adicional, o que acaba incentivando o cliente a desistir do serviço oficial.

É um círculo vicioso, pois quanto maiores as perdas, maiores são os custos que precisam ser rateados entre os pagantes, elevando a conta de luz de quem paga em dia.

As perdas impostas à companhia pelo crime organizado são o aspecto mais gritante de um endividamento amplo da distribuidora de energia, que levou a holding a entrar com o pedido de recuperação judicial.

Em comunicado, a companhia afirmou que os desafios de sua situação econômico-financeira se agravaram apesar de seus esforços recentes. Em 11 de abril, a Light pediu e conseguiu, também na Justiça do Rio de Janeiro, uma cautelar para suspender o pagamento de parte de suas dívidas e instaurar um procedimento de mediação coletiva com credores.

A situação da empresa, avaliam alguns especialistas, é agravada pela demora dos órgãos reguladores em tomarem decisões importantes.

A negociação da dívida, por exemplo, é prejudicada pela demora na definição das regras que vão reger a próxima rodada de renovação para a concessão de serviço das distribuidoras, tarefa que cabe ao MME (Ministério de Minas e Energia). Pelo cronograma, 20 concessões de distribuidoras de energia vão vencer entre 2025 e 2031. A Light é a segunda na fila, em 2024. As empresas precisam de uma sinalização antecipada, no entanto, o MME até agora não definiu as regras.

“A milícia parasita a infraestrutura urbana numa espécie de extrativismo”, diz Daniel Hirata, coordenador do Núcleo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, que estuda o fenômeno no Rio e atesta que ele é grave.

Por causa do elevado custo com furto de energia e da inadimplência, a empresa queima caixa, como se diz, ou seja, consome mais recursos do que consegue ganhar. São cerca de R$ 800 milhões por ano.

“A gente costuma dizer que, em situação normal, ela já frita caixa”, diz Ângela Gomes, da PSR, consultoria especializada em energia. “No atual momento, essa incerteza em relação à concessão é muito ruim, está destruindo valor”.

A empresa registrou na demonstração financeira do terceiro trimestre que tinha uma dívida de R$ 8,7 bilhões. Gestores de fundos voltados a energia afirmaram à reportagem, com a condição de não terem o nome citados, que já seria natural os bancos não rolarem a dívida da empresa no prazo que abarcasse o pós 2026.

Porém, a deterioração da credibilidade de um acionista relevante neste começo de ano, somada às perdas já conhecidas da empresa e a indefinição da concessão dificultam o diálogo.

SOLUÇÕES NÃO SÃO MUITAS E EXIGEM NEGOCIAÇÃO

A percepção no mercado é que a atual crise tende a deflagrar a discussão sobre o destino da concessão.

As alternativas não são muitas, mas todas exigem negociação e incluem o mesmo ponto de partida: será preciso criar um modelo particular de concessão para os locais dominados pelo crime no Rio de Janeiro.

A avaliação dos especialistas é que o modelo de regulação padrão não funciona, e as perdas são elevadas e consideradas insustentáveis para o investidor privado, o que aumenta a chance de a LIght reviver crises.

Entre as sugestões avaliadas no mercado estão retirar as áreas perigosas da concessão ou compensar de alguma forma as perdas, sem transferi-las para conta de luz, pois tornariam o custo proibitivo para o consumidor.

Quem avalia a questão diz que, se os atuais acionistas quiserem permanecer, podem ser feitas mudanças regulatórias, mas não alterações contratuais, na avaliação de algumas áreas jurídicas do setor. Há entendimento que o TCU (Tribunal de Contas da União) não permite mudança em contrato de concessão vigente. Então, haveria uma limitação para os atuais acionistas. Será preciso consultar o órgão.

Eles também teriam a opção de vender a empresa para outros controladores.

Nesse caso, seria preciso reduzir o preço final, ainda que houvesse revisão no modelo de concessão. Os ativos da Light valem R$ 10 bilhões, mas a avaliação é que haveria certa dificuldade para conseguir um investidor que pagasse o valor cheio por uma empresa envolvida em crise. Uma eventual relicitação seguiria o mesmo caminho.

A ideia de reestatizar a companhia, como já ocorreu no passado, está fora do radar. Nesse caso, a conta bilionária teria de ser paga pela União.

Alexa Salomão/Folhapress

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