MST quer reforma agrária com trator chinês e lotes próximos a centros urbanos
No alvo de uma CPI na Câmara e prestes a completar 40 anos, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) pressiona o governo Lula (PT) por um modelo de reforma agrária que distribua lotes menores, afastados da Amazônia e próximos dos grandes centros urbanos, além de equipá-los com máquinas agrícolas de pequeno porte.
Integrante da comitiva de Lula na viagem à China em abril, o líder do MST João Pedro Stedile acompanha as tratativas de um acordo entre o país, por meio da Universidade Agrícola da China, e o Consórcio do Nordeste para doação de tratores de pequeno porte, destinados à agricultura familiar.
Em julho, especialistas da universidade estarão no Brasil para testar no Nordeste a viabilidade de algumas máquinas com o acompanhamento de instituições de pesquisa e universidades da região. O MST deseja que parte do equipamento seja testada em assentamentos do movimento.
Num segundo momento, há a expectativa de que o governo chinês invista sua tecnologia em uma fábrica no Brasil para a produção desse maquinário de pequeno porte —como motocultivadores, microtratores, roçadeiras, plantadeiras e semeadeiras.
Alexandre Lima, secretário do Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte e coordenador dessa área no Consórcio do Nordeste, que esteve na China para a negociação, afirma que os testes começarão pelo seu estado.
Ele destaca, em nota, que “a importação é para a testagem”. “O que os estados querem é o repasse de tecnologia e a instalação de fábricas no Nordeste”, diz.
Ainda de acordo com dirigentes do MST, o governo Lula quer lançar um plano nacional de mecanização da agricultura familiar, o que, por enquanto, deve ser feito por meio de linhas de crédito para que os produtores comprem os equipamentos.
Segundo o ministro Paulo Teixeira (PT), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, o governo federal deve apresentar nas próximas semanas um programa de reforma agrária com orçamento de R$ 500 milhões que inclui oferta de áreas já desapropriadas em diversos estados e crédito para regularização de lotes.
A nova proposta de reforma agrária que o MST pleiteia junto ao Planalto é voltada para a produção de alimentos e para o enfrentamento da fome no Brasil –temas que o movimento buscou expor mais recentemente por meio da 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo.
Por isso, de acordo com Diego Moreira, membro da coordenação nacional do setor de produção do MST, o plano é que as distribuições de terras e os novos assentamentos se concentrem em regiões próximas dos centros urbanos.
Segundo Moreira, as invasões do MST, chamadas por eles de ocupações, miram latifúndios, propriedades de devedores da União e áreas que exploram o trabalho escravo –e existem terras com essas características nas regiões metropolitanas.
“Então essas áreas continuarão sendo alvo da nossa reivindicação para que ela sejam destinadas à reforma agrária.”
“Precisamos de uma reforma agrária e de um projeto de assentamento que contemple a distribuição da terra, a produção de alimentos saudáveis, a agroindustrialização, ou seja, agregação de valor sobre essa produção, que tenha uma assistência técnica e capacidade de logística para escoamento”, diz ele à Folha.
O movimento espera que o governo Lula crie as condições logísticas e subsidie a venda da produção dos assentamentos nas cidades por meio de sacolões populares instalados nas periferias, por exemplo.
Hoje o MST alcança o mercado privado por meio das lojas do Armazém do Campo, mas o principal meio para vender a produção é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), em que o governo federal compra alimentos de agricultura familiar para abastecer escolas públicas.
O plano de levar a reforma agrária para longe da Amazônia, afirma Moreira, considera não só a dificuldade de escoamento da produção na região, mas também a necessidade de preservação da floresta.
“Não vamos fazer assentamento ou regularização fundiária na Amazônia para levar pessoas para lá para colonizar”, diz.
Outro pleito do MST junto ao governo federal é o de que as terras disponíveis para a reforma agrária sejam distribuídas em lotes menores, o que permite acomodar mais famílias nos assentamentos.
O movimento tem cerca de 500 mil famílias assentadas e outras 80 mil acampadas, e o tamanho dos lotes varia segundo a região do país.
“Por estar próximo de um grande centro urbano, mesmo numa área menor você tem uma agregação maior de valor à produção. Ou seja, se consegue ter produtividade e rentabilidade maiores em função do fluxo mais fácil. Então, serão assentamentos provavelmente com lotes menores e com uma ação cooperada melhor, na produção, na agroindustrialização e na comercialização”, diz Moreira.
Cícero Miranda, 66, assentado do MST em Santa Maria da Boa Vista (PE), diz que os produtores de sua região dependem de repassar a produção para uma cooperativa de Caruaru (PE) para vendê-la. A falta de transporte por vezes leva os assentados a recorrerem a atravessadores, que pagam um valor baixo para revenderem os produtos em grandes capitais.
“A gente tem vontade, mas a gente depende… A área política é muito influente”, afirma quando questionado sobre concentrar os assentamentos próximo a regiões metropolitanas. Miranda diz ainda que é preciso ter tratores “porque as terras são duras e não tem como cultivar na enxada”.
O MST propõe ao governo federal um novo desenho de reforma agrária num momento de tensão acirrada com ruralistas depois das invasões do Abril Vermelho e da instalação da CPI na Câmara dos Deputados.
Na opinião de Moreira, há uma reação do agronegócio por saber “que o Estado brasileiro voltou a ter um governo democrático, que tem compromisso com as questões sociais e que nós ajudamos a eleger”.
Mas o coordenador do MST cobra mais alinhamento da gestão Lula e diz que “esse seria o momento inclusive de o governo reafirmar seu compromisso com a reforma agrária”. Ele diz que o “descompasso” com o Planalto é “momentâneo e conjuntural”.
“Alguns acham que a situação está muito difícil, eu acho que não está tanto. Estamos avançando para criar condições de uma convergência na sociedade para avançar a reforma agrária”, afirma Moreira, mencionando a realização da feira na capital paulista, com a autorização do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), como exemplo disso.
Carolina Linhares, Folhapress
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