PEC da Anistia contraria bandeiras erguidas pelo PT e causa constrangimento no partido

A PEC da Anistia, prevista para votação na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (16), contraria bandeiras erguidas pelo PT e pela esquerda, gerando constrangimento interno no partido e em setores da sociedade civil que apoiaram a candidatura presidencial da sigla em 2022.

Embora evitem criticar publicamente a proposta, 15 deputadas, entre elas 8 petistas, pediram a retirada de suas assinaturas da PEC. Ao todo, foram 17 requerimentos desde a apresentação do projeto, em março, sendo 3 de pessoas negras e 1 de indígena. O PL fez cinco pedidos de retirada.

Entre as solicitantes do PT, estão Camila Jara (MS) e Benedita da Silva (RJ), autora do projeto de lei que prorroga a Lei de Cotas nas universidades por mais 50 anos. Como os outros requerentes, ela alega ter ocorrido “erro material” ao assinar a proposta. Alguns dizem ainda ter assinado sem saber do que se tratava, solicitando a retirada. Os pedidos foram indeferidos.

O apoio do PT à PEC desconsidera a opinião de mulheres e negros do Parlamento, principais afetados pelas irregularidades eleitorais cometidas pelos partidos, e de entidades civis. Eles afirmam que o projeto prejudica esforços realizados nos últimos anos para a inclusão de grupos sub-representados na política e reforça a impunidade.

Pela lei, cada partido deve destinar pelo menos 30% da verba do fundo eleitoral para candidatas, além de um valor proporcional ao número de candidatos negros que lançar. A PEC 09/2023 estende para a eleição passada o perdão a partidos que não cumpriram essas cotas e os isenta de sanções de qualquer natureza.

A mobilização a favor da anistia, considerada a maior da história, inclui governo e oposição e conta com a assinatura de 13 agremiações partidárias, incluindo o PL e a federação liderada pelo PT.

De 17 deputados e deputadas federais negros procurados pela Folha, 9 se disseram contrários à PEC. Um deputado disse não ter opinião formada e os outros não responderam.

Apesar disso, a maioria tende a votar em bloco com seus partidos nesta terça, a favor da PEC. Um grupo liderado por mulheres e negros do PT tenta articular uma liberação para votarem de forma independente.

Caso precisem ceder a favor da posição de sua sigla, o grupo propõe como condição que sejam criados mais parâmetros para a destinação dos fundos de acordo com os critérios de gênero e raça nas próximas eleições.

Isso porque o autor da PEC, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), argumenta que as direções partidárias tiveram dificuldade para se adaptar às novas obrigações “em decorrência da inexistência de outra regra que apresentasse as balizas ou uma maior elucidação sobre a matéria pertinente à distribuição das referidas cotas”.

O projeto discutido no Congresso permite também que os partidos voltem a receber dinheiro empresarial para quitar dívidas com fornecedores contraídas até agosto de 2015, tornando-os impunes caso seja identificada alguma irregularidade.

Para a deputada Erika Hilton (PSOL-SP), a PEC é inconstitucional. “Ela debocha de toda uma legislação importante para a garantia de equidade e de paridade de gênero e raça nas disputas eleitorais e nos partidos políticos. É um desrespeito com a sociedade e com a luta que travamos para conseguirmos o direito de que haja essa tentativa de equiparação”, diz.

O partido, aliado de Lula desde a campanha eleitoral, tem articulado obstruções na CCJ (Comissão de Constituição de Justiça), apresentando requerimentos para que a votação seja derrubada da pauta. Com isso, a votação prevista para 25 de abril foi postergada para o dia 26, quando foi remarcada novamente.

“Se a PEC for aprovada, vamos perder completamente a credibilidade nas leis. Nós vamos perceber que de fato não há nenhum compromisso em se fazer com que se equiparem as desigualdades que existem na política institucional e refletem nas outras esferas da sociedade, não apenas na política”, acrescenta Hilton.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, vem se posicionando a favor da PEC da Anistia. Ela tem aparecido em propagandas partidárias na televisão e no rádio na qual afirma que “o PT defende mais políticas para as mulheres e mais mulheres na política”.

Gleisi defendeu que a PEC fosse discutida pelos deputados no dia 25 de abril, quando estava prevista sua votação, citando a necessidade de “um debate aberto e franco” sobre o tema, contrariando deputados que querem o cumprimento da atual legislação e tentam o adiamento para convencer aliados a votar contra a proposta.

Entidades da sociedade civil têm também se mobilizado contra a proposta de anistia. Em abril, mais de 50 organizações e movimentos encaminharam uma carta ao Tribunal Superior Eleitoral, na qual afirmam que PEC extingue a eficácia de julgamentos realizados pela Justiça Eleitoral e esvazia o poder de fiscalização dela.

Para Jefferson Nascimento, coordenador de justiça social e econômica da Oxfam Brasil, signatária do documento, medidas como a obrigatoriedade de destinação de verbas para grupos sub-representados exercem ação educativa e contribuem para a redução das disparidades.

“A PEC traria uma sinalização bem negativa, no sentido de que mesmo esses avanços pequenos concedidos, com relação a mais representatividade de mulheres e de pessoas negras na política, têm sido minados pelo próprio Congresso”, afirma.

Frei David Santos, diretor-executivo da Educafro, propõe não só que a PEC seja rejeitada, mas também que as multas recolhidas dos partidos que desrespeitaram o repasse mínimo de verbas a mulheres e negros sejam revertidas em benefício desses segmentos em pleitos futuros.

Embora não precise da sanção presidencial para entrar em vigor, a PEC contraria bandeiras adotadas por Lula. Em janeiro, após receber a faixa presidencial do “povo brasileiro” —simbolizado pelas figuras de uma criança negra, um indígena, uma mulher negra, um operário e uma pessoa com deficiência—, o presidente se dirigiu a grupos minorizados durante o discurso de posse no Congresso Nacional.

O petista disse ser “inadmissível que as mulheres não sejam reconhecidas em um mundo político machista”, que “negros e pardos continuem sendo a maioria pobre e oprimida de um país construído com o suor e o sangue de seus ascendentes”, e prometeu “revogar todas as injustiças cometidas contra os povos indígenas”.

Eleito, o presidente criou os Ministérios das Mulheres, dos Povos Indígenas, dos Direitos Humanos e Cidadania e da Igualdade Racial, em consonância com suas promessas de campanha.

O presidente, no entanto, tem relutado em indicar uma mulher negra ao Supremo Tribunal Federal para a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, ocorrida em abril.

Paola Ferreira Rosa e Matheus Tupina/Folhapress

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