Polícia apura suspeita de homofobia e transfobia por vereadores e pastores em MT
A Polícia Civil de Mato Grosso abriu uma investigação para apurar possíveis crimes de homofobia e transfobia por parte de vereadores e pastores evangélicos na Câmara de Cáceres (a 218 km de Cuiabá).
A investigação está relacionada ao encontro “Os Pastores das Igrejas Unidas por Cristo – A Família é um Projeto Eterno”, que ocorreu no mês passado na sede do Legislativo municipal. A reunião buscava discutir o projeto de lei PL 08/2023, que institui o Dia do Orgulho LGBTQIA+ no calendário oficial do município.
Após a repercussão, a Câmara publicou nota, assinada pelo presidente Luiz Landim (PV), se desculpando pelo encontro e dizendo que repudia qualquer forma de discriminação. Procurado, o vice-presidente da Casa, Pastor Junior (Cidadania), que presidiu o encontro, não atendeu as ligações da reportagem nem respondeu as mensagens enviadas.
Já o pastor Izaque Alves Barbosa, também presente ao evento, afirmou que estava discursando contra o projeto e que o seu direito de liberdade de expressão lhe permite se posicionar para defender os seus valores cristãos. A reportagem não conseguiu localizar o pastor identificado como Wellington nem o participante William.
A investigação policial ocorre após denúncia ao Ministério Público feita por representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Mato Grosso, em conjunto com a Aliança Nacional LGBTQIA+ e a ABRAFH (Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas).
Segundo informado à Promotoria, no evento, que foi transmitido ao vivo pelo Youtube, os participantes fizeram declarações homofóbicas e transfóbicas. A gravação foi reproduzida em outros canais de pessoas ligadas ao movimento LGBTQIA+.
No vídeo, Pastor Junior afirmou que a abertura de políticas públicas para a comunidade LGBTQIA+ seria uma forma de privilégio. “Quando falam por aí que vão abrir uma clínica em Cáceres, que vai dar prioridade para o grupo LGBT no atendimento. Gente, isso é privilégio!”
Já o pastor Izaque Alves Barbosa afirmou que, caso seja aprovado o Dia do Orgulho LGBTQIA+, os símbolos cristãos serão vilipendiados, e os líderes cristãos, desrespeitados.
“O que acontece nas ruas do Brasil, meus amados, não dá nem para descrever aqui, e o que nós temos através desse PL batendo na porta?”, questionou em seu discurso. “É um dia para repetir isso. Nós não queremos ver isso na nossa cidade.”
Em outro momento, um pastor identificado como Wanderley afirmou que a aprovação do projeto fará com que pessoas LGBTQIA+ façam “farra em escolas” na data a ser criada. “Esse projeto [de lei] é somente para ter o acesso dentro das nossas escolas. Não há necessidade alguma de Cáceres ter essa lei”, disse.
Em outro trecho, um jovem que na reunião se identificou como William fez uma declaração que viralizou e provocou críticas na internet. “Dois homens e duas mulheres não constituem família. Não estou pautado pela minha opinião, mas estou pautado pela ciência.”
Segundo o delegado Marlon Richer Nogueira, todos os vereadores e pastores que participaram do evento serão intimados a prestar depoimento ainda nesta semana. Só após ouvi-los é que a polícia vai avaliar se poderá indiciá-los ou não pelos crimes.
REPERCUSSÃO
Embaixadora do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Brasil, a cantora Daniela Mercury gravou um vídeo criticando a conduta que chamou de homofóbica de membros da Câmara.
“Eu apelo a vocês que se conectem com o mundo e com o planeta e aprovem esse projeto. É um direito de todos os cidadãos brasileiros viverem em paz, com respeito, sem discriminação”, diz a cantora, em vídeo publicado nas redes sociais.
Após a repercussão, a Câmara emitiu uma nota com pedido de desculpas e afirmou que é contra qualquer tipo de preconceito, “seja ela de natureza de gênero, racial, etnia ou cor, religião ou crença”.
A nota ainda afirma que as declarações durante o evento foram indevidas e ofensivas à dignidade das pessoas pertencentes a Comunidade LGBTQIA+.
Em 2019, os crimes de transfobia e homofobia foram equiparados ao crime de racismo pelo STF.
O pastor Izaque Alves Barbosa afirmou que representa as igrejas “Unidas por Cristo” e que não houve nenhuma prática de crime contra a população LGBTQIA+. “Eu não citei ninguém, nenhuma pessoa, nenhum grupo ou entidade. Eu apenas disse que nesses eventos acontecem coisas constrangedoras, como exibição de corpos e ataques a imagens e símbolos cristãos. É um direito meu ser contra qualquer projeto que achar que seja ruim”, disse.
Pablo Rodrigo/Folhapress
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