TSE manda partidos devolverem R$ 40 milhões, e Congresso corre com anistia
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) concluiu neste mês o julgamento das contas dos partidos relativas a 2017 e determinou a devolução aos cofres públicos de ao menos R$ 40 milhões, a título de ressarcimento e multa, valor que ainda precisa ser corrigido pela inflação.
A Folha consultou todos os acórdãos e votos relativos aos 35 partidos existentes à época —hoje são 31—, documentação que mostra uma extensa lista de desvios que podem ser perdoados caso o Congresso aprove a PEC da Anistia, proposta de emenda à Constituição que pretende passar uma borracha em todas as irregularidades ocorridas.
A medida conta com o apoio de governo e oposição e deve ser aprovada na terça-feira (16) pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, o primeiro passo da tramitação.
Ao todo, o TSE reprovou 19 das contas partidárias de 2017 e aprovou com ressalvas as outras 16. A morosidade da Justiça, aliada à pequena estrutura de fiscalização, faz com que as contas sejam julgadas com atraso de quase cinco anos.
Os julgamentos mostram gastos sem relação com a atividade partidária e em benefício de dirigentes, como pagamentos de remuneração em valor acima do teto constitucional e para empresas ligadas a eles, assim como uma generalizada falta de comprovação da destinação das verbas.
Apenas o PSD não foi condenado a devolver valores públicos, além do Novo, que só neste ano decidiu que passará a usar as verbas públicas e que deverá restituir R$ 39 mil recebidos em 2017 de pessoas jurídicas e físicas.
Nos últimos anos, o Congresso turbinou o repasse de dinheiro público para os partidos, que só em 2022 receberam R$ 6 bilhões. Na contramão disso, tem promovido uma série de alterações para tornar a lei mais branda, apesar do longo histórico de malversação de dinheiro público, que inclui gastos em restaurantes de luxo, compra de helicópteros, imóveis e carros de mais de R$ 100 mil.
Em abril de 2022, por exemplo, deputados e senadores aprovaram uma PEC anistiando as legendas pelo não cumprimento nas eleições anteriores das cotas de estímulo à participação de negros e mulheres na política.
Desde a proibição do financiamento empresarial a políticos, os partidos têm como principal fonte de recursos os cofres públicos —o Fundo Partidário, que destinará a eles R$ 1,185 bilhão em 2023, e o Fundo Eleitoral, que em 2022 distribuiu R$ 5 bilhões.
Assinada por 184 deputados, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ), a PEC proíbe qualquer punição a ilegalidades cometidas até a sua promulgação, incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas a mulheres e negros nas eleições.
Se avançar no Congresso, porém, há risco de judicialização, porque algumas entidades consideram que só poderia haver anistia de casos ainda não julgados até a promulgação.
Em relação a 2017, o TSE desaprovou as contas de PHS (incorporado ao Podemos), PTB, Pros (incorporado pelo Solidariedade), PMN, Cidadania, Avante, PCB, Solidariedade, PRTB, PCO, PSC, PPL (incorporado ao PC do B), Agir, PRP (incorporado ao Patriota), PV, PMB, DC, PSTU e Rede.
Proporcionalmente ao que recebeu dos cofres públicos, o caso mais grave é do nanico PHS, que em 2019 foi incorporado ao Podemos.
O tribunal concluiu no dia 24 de março que o partido aplicou de forma irregular cerca de 60% do que recebeu dos cofres públicos em 2017, determinando a devolução de R$ 4,2 milhões, atualizados pela inflação, além de multa de 12%.
No parecer sobre o caso, o Ministério Público tabulou 31 irregularidades, entre elas a afirmação de que o partido gastou R$ 1,5 milhão em verba pública sem ter apresentado qualquer documentação fiscal comprobatória, demonstração de vínculo com atividades partidárias ou prova da execução dos serviços.
O segundo partido com maior volume de recursos a serem devolvidos é o PTB de Roberto Jefferson —R$ 3,2 milhões, mais correção monetária e multa de 12%.
O TSE considerou excessivos e irregulares os gastos com hospedagem —mensalidade no Hotel Nacional, ao custo de R$ 390 mil ao ano— e com remuneração a dirigentes, em especial os R$ 33,8 mil mensais a Jefferson, na época presidente da legenda, valor superior ao teto constitucional.
O ministro Ricardo Lewandowski, que relatou o julgamento em fevereiro, escreveu em seu voto que a remuneração dos dirigentes partidários somou R$ 1,6 milhão no ano, constituindo “falha grave” diante da “falta de definição de critérios transparentes que fixem valores condizentes com o mercado e com as atribuições e responsabilidades”.
De acordo com o ministro, esses gastos são incompatíveis com o princípio da economicidade. “Devemos ser rigorosos com a prestação de contas de recursos públicos, pois não é um dinheiro dos partidos, mas, sim, da sociedade brasileira.”
Jefferson está em prisão preventiva desde outubro de 2022, quando resistiu à bala ao cumprimento de ordem de recolhimento expedida pelo STF.
Já o DC teve como uma das irregularidades apontadas o gasto de R$ 69 mil da verba com abastecimento de carros no posto do presidente do partido, José Maria Eymael.
“Mantenho a irregularidade das despesas com aquisição de combustíveis no Centro Automotivo Caminho Certo, de propriedade do presidente do partido, seja em função de conflito de interesses, haja vista a influência direta desse dirigente partidário na transação, seja pela impossibilidade de se comprovar a economicidade da contratação, além do questionável montante despendido no exercício de 2017”, afirmou em seu voto o relator, ministro Carlos Horbach.
Entre os partidos que tiveram as contas aprovadas com ressalvas, o PT é o responsável pela maior fatia a devolver, R$ 4,86 milhões, boa parte por ausência de documentação comprobatória do gasto.
A sigla de Lula foi a que recebeu a maior verba em 2017, R$ 93,5 milhões. As irregularidades apontadas pelo TSE somaram, portanto, cerca de 5% desse valor.
“É importante ressaltar que mesmo com uma série de limitações, sobretudo de recursos tecnológicos, todos os anos a Justiça Eleitoral identifica uma série de fraudes e irregularidades, nas quais muitas vezes os partidos reincidem”, afirma Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária.
“Mais desvios seriam identificados caso esse trabalho fosse aprimorado. A PEC, no entanto, caminha exatamente no sentido oposto. Estar a favor dessa proposta significa realizar um ataque grave à Justiça Eleitoral e a eleições limpas, transparentes e democráticas.”
Para ser aprovada, uma PEC precisa do apoio mínimo de 60% dos parlamentares (308 de 513 na Câmara e 49 de 81 no Senado), em dois turnos de votação em cada Casa. Caso isso ocorra, ela é promulgada e passa a valer, não havendo possibilidade de veto do Poder Executivo.
PARTIDOS NEGAM IRREGULARIDADES NO USO DA VERBA PÚBLICA
Todos os partidos que se manifestaram conclusivamente na fase final dos julgamentos negaram as irregularidades pelas quais tiveram as contas desaprovadas.
Em alguns casos, afirmam que os órgãos técnicos do TSE não deram margem ao contraditório e se recusaram a analisar esclarecimentos.
À Folha o DC afirmou, em nota, que a decisão do partido de abastecer seus veículos no posto de propriedade de Eymael atendeu ao princípio da economicidade e também observou a qualidade do produto.
“O abastecimento dos veículos do partido no Centro Automotivo Caminho Certo obedeceu rigorosamente aos preços de mercado, sem nenhuma vantagem escusa tanto para o partido como para a revenda de combustível.”
O Podemos afirmou que a incorporação se deu em 2019 e, portanto, as ações relativas a exercícios anteriores dizem respeito aos dirigentes à época, ocasião em que o PHS estava envolto em disputas judiciais pelo seu comando.
“O Podemos, ao incorporá-lo, acaba herdando esse passivo do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista prático não teve gestão ou responsabilidade sobre o que foi feito com os recursos do fundo naquele ano”, afirmou Alexandre Bissoli, advogado do Podemos.
A Folha não conseguiu contato com a assessoria do PTB nem com a defesa de Jefferson.
Em suas alegações finais, o PT disse ter apresentado farta documentação que mereceria ser reexaminada pela corte.
“O que se destaca é a solene recusa em examinar o acervo acostado e até inovações sobre as quais não se oportunizou ao Prestador [partido] a devida manifestação”, diz a peça, afirmando ainda, por exemplo, que um documento digital foi recusado pelos técnicos sob o argumento de que não foi possível abri-lo.
Ranier Bragon / Folhapress
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