Governo e BC discutem meta de inflação em reunião decisiva para política de juros

O CMN (Conselho Monetário Nacional) se reúne na próxima quinta-feira (29) em um encontro que pode mudar os rumos da política monetária no país. Isso porque a estratégia futura do Banco Central sobre os juros passará por ajustes a depender das decisões tomadas pelo colegiado sobre as metas de inflação.

A indefinição em torno do tema é vista por economistas como parte da justificativa para o conservadorismo do Copom (Comitê de Política Monetária) na reunião mais recente, quando manteve a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano. O entendimento é que, uma vez que o assunto seja superado, o comportamento das expectativas de inflação deve ajudar a autoridade monetária a balizar o início dos cortes de juros.

No cronograma habitual do CMN —colegiado formado pelos ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e do Planejamento (Simone Tebet) e pelo presidente do BC (Roberto Campos Neto)—, as metas de inflação são discutidas nas reuniões de junho. Neste ano, por exemplo, o rito tradicional seria indicar o alvo para 2026 e, adicionalmente, rediscutir os objetivos definidos previamente para 2024 e 2025.

Atualmente, as metas são 3,25% neste ano e 3% em 2024 e 2025, com intervalos de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

“A decisão do CMN sobre a meta de inflação será fundamental para a redução das incertezas e do desvio das expectativas em relação à meta”, diz Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, em análise.

Para Bráulio Borges, pesquisador-associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e economista-sênior da área de Macroeconomia da LCA Consultores, a próxima reunião do CMN vai resolver a “briga” entre a meta definida oficialmente e a meta observada pelos agentes do mercado financeiro.

Segundo ele, boa parte dos economistas projeta desde fevereiro a inflação de prazos mais longos em torno de 4% à espera de que os alvos de 2024 e dos anos subsequentes sejam revistos.

Essa hipótese ganhou mais força depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falar nos seus primeiros meses de gestão sobre a possibilidade de uma meta mais alta. Em abril, o petista chegou a dizer que, “se a meta de inflação está errada, muda-se a meta”. Mas essa discussão esfriou posteriormente, cedendo lugar para a possibilidade de mudanças mais estruturais.

Haddad passou a defender um ajuste no horizonte do objetivo a ser perseguido pelo BC e disse que a atual conjuntura abre a oportunidade da discussão. A autoridade monetária é cobrada hoje pelo nível da inflação ao fim do ano, mas o titular da Fazenda defendeu há pouco mais de um mês uma mudança para que a meta seja contínua.

Campos Neto, no entanto, se mostra mais conservador na discussão. Em maio, durante seminário da Folha sobre a autonomia do BC, quando lhe foi perguntado o que achava da mudança para uma meta contínua, disse que pode haver consequências negativas com alterações feitas enquanto a inflação não está dentro do limite estabelecido (o que é a projeção para este ano, pela terceira vez consecutiva).

“O que a gente percebe é que as mudanças, quando são feitas para ganhar eficiência, esse ganho é atingido de forma mais fácil quando você está em um ambiente de calmaria e com a inflação dentro da meta. Quando está fora da meta e muda alguma coisa no sistema, pode, não sei se vai ser o caso, ter uma interpretação de que pode ter sido feito para ganhar flexibilidade, e isso historicamente tem um valor esperado negativo”, afirmou no evento.

Em março, Campos Neto afirmou também que o BC tem um estudo mostrando o modelo de metas em diferentes países, mas evitou comentar o posicionamento da autoridade monetária brasileira sobre o tema. Ele enfatizou que quem determina a discussão é o governo, que tem dois dos três votos do CMN (um da Fazenda e outro do Planejamento).

As declarações do governo Lula provocaram em um primeiro momento uma reação negativa no mercado financeiro com piora nas expectativas, que depois se estabilizaram. Recentemente, as estimativas de inflação começaram a cair em meio a um cenário econômico doméstico mais favorável.

No boletim Focus divulgado na segunda-feira (19), a projeção para o IPCA (índice de inflação) deste ano foi revisada de 5,42% para 5,12%. Para o ano que vem, a expectativa caiu para 4%. Para 2025 e 2026, as estimativas dos economistas estão em 3,8%.

“Tendo [a reunião do] CMN e tirando essa incerteza [sobre a meta de inflação] do radar, isso vai ajudar bastante o Banco Central a começar a reavaliar a estratégia de política monetária e sinalizar mais claramente a distensão da Selic”, afirma Borges.

Mas a perspectiva de continuidade do movimento de melhora das projeções depende, na visão dos analistas, da confirmação tanto da manutenção do centro da meta numérica para 2024 e 2025 quanto da margem de tolerância.

Segundo Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, esse cenário ajudaria o BC a se sentir “mais confortável” com o início dos cortes de juros.

A expectativa no banco é que o CMN mude a meta de ano-calendário para contínua, redefinindo também a política de verificação do cumprimento ou não do objetivo. Mas a instituição pondera que o colegiado deveria deixar a definição do prazo de convergência a cargo da autoridade monetária.

Hoje, quando a inflação termina o ano fora do intervalo determinado, o presidente do BC precisa justificar os motivos em uma carta aberta endereçada ao ministro da Fazenda e detalhar como o problema deve ser resolvido.

Desde a criação do sistema de metas para a inflação no Brasil, em 1999, já foram escritas sete cartas —duas de autoria de Campos Neto.

Em um relatório publicado no último dia 15, o Itaú sugere algo similar para o novo modelo. “Um jeito simples poderia ser publicar uma carta semelhante à atual divulgada em janeiro do ano seguinte sempre que em algum mês ao longo do ano (em vez de somente em dezembro) a inflação em 12 meses ultrapassar o intervalo de tolerância.”

Para Gonçalves, ter uma meta de horizonte contínuo seria a “formalização de uma condução de política monetária que já é feita dessa maneira” pelo BC, com medidas de suavização ao longo do ciclo de política monetária, e alinharia o Brasil às melhores práticas internacionais.

No documento, a instituição menciona que somente Filipinas, Indonésia, Tailândia e Turquia estão entre os países que adotam o regime de metas de inflação para o ano fechado, enquanto os demais fixam uma meta contínua. Nesse grupo, Colômbia, Reino Unido, Coreia do Sul e Índia têm uma confirmação periódica do número de meta, enquanto Canadá, zona do euro e Estados Unidos fazem revisão completa do modelo de tempos em tempos.

“Se for bem-feita a mudança do arcabouço de política monetária, ela pode ajudar o regime de meta de inflação a ficar ainda mais robusto, ainda mais coerente. O que a gente entende é que seria um erro mudar a meta e a banda, mas essa discussão da meta contínua é bastante adequada”, diz o economista do Itaú.

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, também vê a eventual mudança na forma de aferir o alvo de inflação a ser perseguido pelo BC como uma forma de aperfeiçoamento da ferramenta do arcabouço da política monetária.

Entre os possíveis modelos de verificação de cumprimento da meta de inflação, cita como exemplo uma proposta que adota um gatilho associado a um prazo de 18 meses. Além da obrigação de escrever uma carta de justificativa, a autoridade monetária teria na sequência um intervalo de dois trimestres para corrigir o rumo. Um outro gatilho seria acionado em caso de novo descumprimento ao final do período.

Caso seja observada na próxima reunião do CMN a manutenção da meta de 3% para os próximos anos e a alteração para horizonte contínuo, a analista espera uma melhora da percepção dos agentes econômicos para inflação, com impacto potencial de 0,3 ou 0,4 ponto percentual.

“Essas expectativas, que estão atualmente em 3,8% para 2025 e 2026, poderiam ir para 3,5%, 3,4%”, projeta. Combinado a outros fatores, Hirakawa acredita que isso poderia abrir espaço para o Copom promover o início do afrouxamento monetário na sua próxima reunião, em agosto.

Nathalia Garcia / Folhapress

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