Kit robótica alvo da PF rende medalhas em Olimpíada e impacta alunos em Alagoas
Famosa nacionalmente no início dos anos 1990 como a terra natal da então primeira-dama do país, Rosane Collor, a cidade de Canapi, no sertão de Alagoas, voltou a ganhar o noticiário nos últimos meses por ser um dos alvos de investigação de desvio de verbas públicas na compra de kits de robótica para escolas municipais do estado.
Um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) apontou um prejuízo de ao menos R$ 4,2 milhões aos cofres públicos em contratos para a aquisição desses equipamentos, custeados com emenda parlamentar do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
O prefeito de Canapi, Vinicius Lima (PP), eleito com o nome de Vinícius Filho de Zé Hermes na cédula, aproveitando a força do pai, cacique local que já ocupou o cargo, é do mesmo partido de Lira, de quem é aliado fiel.
Diferentemente de outros municípios alagoanos contemplados com verbas do mesmo programa mas que ainda não começaram a usar os kits de robótica, como União dos Palmares e Maravilha, Canapi incorporou os robozinhos ao cotidiano da rede pública no início do ano letivo de 2022.
Recebeu 390 kits e os utiliza em todos os níveis escolares, e em várias disciplinas, nas suas 28 escolas e 5 creches. Buscando se manter à margem das suspeitas de corrupção nas licitações, a comunidade escolar procura aproveitar os benefícios da nova atividade.
O município de 17 mil habitantes criou o cargo de coordenador de robótica, ocupado pelo ex-técnico em informática, ex-professor de educação física e baixista amador Geneson Barbosa Alves.
Assim como os professores, ele recebeu treinamento para operar os kits e passou a realizar reciclagem com docentes e atividades que incorporem os equipamentos.
Num passo além, em agosto do ano passado, Alves levou 16 estudantes, divididos em cinco equipes, para a etapa estadual da Olimpíada Brasileira de Robótica, organizada por Unicamp, Instituto Federal do RN, Universidade Federal do RN e Sesi, como apoio e patrocínio de universidades e instituições públicas.
A delegação de Canapi voltou para o sertão cheia de medalhas.
No nível 1 (para alunos do 3º ao 8º ano do ensino fundamental), equipes da escola rural Divina Pastora ficaram em segundo e terceiro lugar geral, além de conquistarem prêmios extras nas categorias Dedicação e Maker. Já uma equipe da escola João Vieira Maciel ficou em quinto no geral e levou prêmios extras de Melhor escola pública e Programação.
No nível 2 (8º e 9º ano do fundamental), um time do Divina Pastora terminou em oitavo no geral e abocanhou o prêmio extra de Maker, e outro do João Vieira Maciel venceu a categoria Melhor escola pública.
ROBÔ-TARTARUGA
Localizada no povoado de Capiá da Igrejinha, a 25 km do centro de Canapi e próxima às margens da BR-423, a escola Divina Pastora tem estrutura simples. As dependências estavam organizadas e limpas quando a reportagem visitou o local, sem agendar, em 13 de junho.
Os alunos tinham acabado de fazer as provas teóricas da etapa estadual OBR —em breve alguns viajarão novamente para o torneio prático deste ano em Maceió . Nos três pontos de internet disponíveis, o sinal não funcionava –o que não interfere no uso dos kits de robótica, que independem de conexão.
A diretora, Cristina Oliveira, reuniu às pressas os alunos premiados nas olimpíadas local e estadual, que mostraram suas medalhas e troféus e contaram da empolgação com os robôs. Eduardo, 9 anos, do 4º ano, disse que adorava construir as estruturas e trabalhar com os sensores.
A professora Ronelma Serafim explicou o impacto que o equipamento levou à realidade local. “Era tudo muito novo, e no começo o que é novo assusta. Mas tem dado muito certo, os alunos se identificam e brincam e aprendem ao mesmo tempo.”
Ela explicou uma das aplicações práticas da robótica: nas turmas iniciais, separa sílabas associadas a cores e programa o robozinho para identificar as combinações corretas por meio de sensores cromáticos.
O coordenador Geneson Alves lembrou de outras: numa feira de ciências, para ensinar sobre a influência da lua na orientação de tartarugas ao nascer, uma professora programou o robô para emular uma tartaruga, que era orientada por sensores de luz.
A mesma funcionalidade foi usada para criar dispositivos de auxílio a deficientes auditivos e visuais (neste último caso, com sensores de som).
“É fantástico, porque abre os horizontes, eles conseguem viajar com essas ferramentas. É uma das melhores coisas que já usei em 11 anos lecionando”, disse o professor de matemática José Joaquim, que liderou uma das turmas vencedoras na OBR em Maceió.
Geneson Alves, que foi designado pela prefeitura para acompanhar as diligências da CGU na cidade, reclama do destaque único para as suspeitas de corrupção na compra dos kits.
“A robótica não veio para atrapalhar, veio para ajudar. Se ficar provado que alguém fez algo errado na compra, como suspeita a polícia, que esse alguém pague por isso. O danado é que só veem um lado da moeda, mas a mim interessa tirar proveito do lado bom.”
Sua próxima meta, diz, é que os alunos de Canapi apareçam na revista digital Mundo Robótica, veículo oficial da OBR.
MOTIVAÇÃO E COGNIÇÃO
Os responsáveis pela Olimpíada Brasileira de Robótica veem com bons olhos tanto o caso de Canapi quanto o uso da tecnologia independentemente da estrutura das escolas.
“Não vou entrar no mérito da aquisição, mas ficamos contentes em ver escolas públicas participando, e o pessoal de Canapi se destacou, foi o município que mais chamou a atenção, porque é muito longe da capital [255 km de Maceió]”, relatou o coordenador estadual da OBR, Mozart Alves Júnior.
“Mesmo com kits mais simples do que algumas equipes, estar ali foi uma motivação gigante para os alunos, que se refletiu no esforço e na dedicação. Mesmo se às vezes os robôs não cumprem a meta, importa a valorização do que é feito e que os alunos estejam motivados”, disse Alves Júnior, professor da universidade alagoana Cesmac, onde lidera o núcleo de robótica e o centro de inovação tecnológica.
Coordenadora-geral da OBR, a professora Cintia Kimie Aihara, do Colégio Técnico de Campinas, mantido pela Unicamp, disse que trabalhos lúdicos com tecnologia estimulam a cognição independentemente do equipamento, e que a infraestrutura não é o mais importante.
Falando em tese, pois desconhece os kits dos programas em questão, afirmou: “Para trabalhar desenvolvimento do pensamento computacional nem precisa de kits. O uso de tecnologia em geral é bem-vindo para as novas gerações, que são muito mais high techs, têm a necessidade de usar esses materiais, e isso naturalmente ajuda na aprendizagem”.
INVESTIGAÇÃO
A CGU examinou dois contratos do governo federal, celebrados na gestão de Jair Bolsonaro (PL), com recursos de emendas parlamentares, via um programa do Ministério da Educação, para compra dos kits, material de apoio e capacitação de professores.
No total, Canapi destinou R$ 7,4 milhões à empresa Megalic, sendo R$ 5,7 milhões em 2022 —dinheiro proveniente da chamada emenda de relator indicada por Lira. O uso da emenda de Lira foi revelado pelo jornal O Globo.
A Megalic, de Maceió, pertence ao pai de um vereador do grupo político de Lira. As investigações começaram a partir de reportagem da Folha. Um assessor direto de Lira foi alvo de mandado de busca e apreensão da PF no caso.
Todos os envolvidos negam irregularidades. A Prefeitura de Canapi disse que a Megalic apresentou o menor preço da licitação, que “ocorreu dentro da estrita legalidade”.
A Megalic afirma que é apta para a construção dos kits, refuta ter havido sobrepreço e diz que todos os contratos se deram a partir de parâmetros técnicos do MEC.
A PF enviou a investigação para o STF (Supremo Tribunal Federal) após encontrar documentos com citações a Arthur Lira e uma lista de pagamentos atrelados ao nome de “Arthur”. Lira afirma que não tem “absolutamente nada a ver com o que está acontecendo; cada um é responsável pelo seu CPF”.
Fabio Victor/Folhapress
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