Casos de sífilis aumentam na população adulta e em bebês no pós-pandemia
Saúde registrou 122 mil casos no primeiro semestre de 2022, incluindo em gestantes e sífilis congênita |
Os casos de sífilis tiveram aumento no Brasil em todas as faixas etárias e sexos no período pós-pandemia.
Enquanto os novos casos diagnosticados estavam em ascensão até 2018, houve uma estabilização dos casos, em 2019, seguida de uma queda em 2020, o primeiro ano da pandemia. Agora, os novos diagnósticos voltaram a crescer.
Em 2021, foram registrados 167.523 casos de sífilis adquirida (em adultos) e 74.095 em gestantes. Os dados representam uma taxa de 78,5 casos a cada cem mil habitantes, na sífilis adquirida, e 27,1 casos a cada 1.000 nascidos vivos, na sífilis em gestantes.
No ano anterior, a taxa de sífilis adquirida havia sido de 59,1 casos para cada cem mil habitantes, e a taxa de sífilis em gestantes, 24,1 a cada 1.000 nascidos vivos.
Houve ainda o registro de 27.019 casos de sífilis congênita, que ocorre pela transmissão da mãe para o bebê durante a gestação, equivalente a uma taxa de 9,9 casos a cada 1.000 nascidos vivos, com 192 óbitos no mesmo ano. Em 2020, a taxa era de 8,5.
Já no primeiro semestre de 2022, foram mais de 122 mil novos casos da doença, sendo 79,5 mil casos de sífilis adquirida, 31 mil em gestantes e 12 mil casos de sífilis congênita.
Os dados são do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, que compilou as notificações de sífilis no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) até 30 de junho de 2022.
O aumento dos casos da doença preocupa principalmente em relação aos novos registros de sífilis congênita e em grávidas. Em 2021, houve uma queda na adesão ao tratamento de gestantes em comparação ao ano anterior, passando de 88,7% para 81,1%.
“O aumento de casos de s ífilis é preocupante, pois é um problema de saúde pública no país, e o acesso adequado aos serviços de saúde, à testagem e ao tratamento no pré-natal refletem no aumento de diagnósticos”, afirma Angélica Espinosa, diretora do programa de IST da SVSA (Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente) do Ministério da Saúde.
Uma das ISTs (infecções sexualmente transmissíveis, antes chamadas DSTs) mais antigas, a sífilis é causada pela infecção da bactéria Treponema pallidum e só ocorre no ser humano. Seu tratamento é por meio da penicilina.
No caso da sífilis congênita, o tratamento indicado é a penicilina benzatina (benzetacil), amplamente distribuído no SUS (Sistema Único de Saúde). “O benzetacil é o único medicamento que consegue atravessar a barreira transplacentária”, explica Espinoza. “Quando a sífilis é detectada na gestante, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível para evitar a chamada transmissão vertical [da mãe para o bebê]”, lembra.
Ainda segundo o boletim do Ministério da Saúde, a incidência de sífilis congênita no país apresentou um crescimento médio de 17,6%, entre 2011 e 2017, seguida de estabilidade nos anos subsequentes e aumento de 16,7% em 2021. Uma das possíveis explicações para essa subida é o comprometimento de ações preventivas na assistência pré-natal.
“De modo geral, acho que ainda não conseguimos no Brasil evoluir para tratar a saúde sexual, e os últimos anos contribuíram muito para prejudicar o acesso [aos serviços de saúde] e a comunicação”, explica a epidemiologista Maria Amélia Veras, professora de saúde coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Em relação à média nacional, nove estados têm taxas de sífilis em gestantes acima da média do país, de 27,1 casos a cada 1.000 nascidos vivos, e dez apresentam taxa de sífilis congênita maior que 9,9. O estado que apresentou a maior incidência de sífilis congênita e de detecção de sífilis em gestantes foi o Rio de Janeiro, com 26 casos a cada 1.000 nascidos vivos em bebês e 62,6 casos a cada 1.000 em gestantes.
Segundo ela, no caso da sífilis em gestantes existe um agravante que é o receio da mulher em notificar, já que ela pode sofrer violência doméstica e agressões do marido se ele julgar que ela foi infiel. “Os parceiros sexuais como um todo precisam ser testados e, embora haja recomendações muito claras sobre isso, os serviços não conseguem fazer”, afirma.
Porém, a sífilis é uma doença que atinge a todos os grupos indiscriminadamente. “Não existe isso de grupos de risco porque a sífilis adquirida qualquer pessoa pode pegar, ela envolve todos os grupos e orientações sexuais. O que temos são aquelas determinantes sociais que vão provocar iniquidades no acesso, por exemplo de populações mais vulnerabilizadas”, explica a médica.
Nos últimos anos, houve uma diminuição, principalmente no público mais jovem, da adesão aos métodos contraceptivos, o que vem sendo refletido também em um aumento de outras ISTs. “O uso correto de preservativos é a medida mais importante de prevenção não só da sífilis mas de outras ISTs”, afirma Espinosa, da pasta da Saúde.
CASOS AUMENTAM TAMBÉM NA POPULAÇÃO GERAL
Dentre a população como um todo, os casos de sífilis adquirida tiveram um aumento de 336% na última década, e a maior prevalência ainda é no público masculino (60,6%) e na faixa etária de 20 a 29 anos (35,6%) e 30 a 39 anos (22,3%) na série histórica.
Como historicamente as notificações de sífilis em adultos não eram compulsórias, há uma subnotificação dos reg istros, segundo Veras. “Como toda IST, há uma subnotificação, e nós temos observado um claro aumento de sífilis no Brasil. Os registros oficiais têm um aumento geralmente quando o Ministério [da Saúde] faz um esforço para capacitação e rastreamento”, diz.
Por isso, são importantes campanhas de conscientização e rastreamento de populações vulneráveis. “A [pasta da] Saúde estimula e enfatiza a prevenção de sífilis, com campanhas voltadas especificamente para o combate às ISTs, durante o Carnaval, e em outubro, no dia nacional de combate à sífilis congênita e adquirida”, completa Espinosa.
Ana Bottallo / Folha de São Paulo
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