Descriminação da maconha no STF só resolverá a vida do playboy, diz autor de ação; ministros rebatem
A aprovação da descriminação do porte da maconha pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não encerrará o debate sobre o tema. Os próprios autores da ação, embora vitoriosos, afirmam que a decisão não mudará a realidade de pretos, pobres e analfabetos, que seguirão, segundo eles, sendo levados de forma massiva ao cárcere pelo sistema de Justiça.
“O STF está resolvendo o problema do playboy que usa maconha, mas segue deixando usuários de outras drogas, pessoas vulneráveis e moradores de rua nas mãos da polícia”, diz o advogado Cristiano Maronna, que representou o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) no caso.
Na semana passada, o Supremo retomou a votação sobre a descriminação, que voltou a ser paralisada quando o placar estava em 5 a 1 a favor da descriminação da maconha —o ministro André Mendonça pediu vista para analisar melhor o assunto.
O debate foi iniciado há oito anos, com o recurso de um presidiário que foi flagrado fumando maconha em sua cela.
A Defensoria Pública de SP, que o defendeu, levantou a tese de que não cabe ao Estado dizer o que um adulto plenamente capaz pode ou não consumir. As drogas, todas elas, deveriam, portanto, ser descriminadas, e seus usuários se verem livres de condenação penal. Isso evitaria o superencarceramento no país.
O ministro Gilmar Mendes chegou a apresentar um voto favorável à tese. Outros magistrados, no entanto, resistiram a ela. E defenderam que, como o réu havia sido flagrado com maconha, a discussão deveria se restringir apenas a essa droga. E assim foi feito.
Neste mês, a votação foi retomada depois de quase uma década, com o voto de Alexandre de Moraes.
“O voto dele foi muito bom, por um lado, ao estabelecer 60 gramas de maconha como a quantidade para que o cidadão seja considerado usuário, e não traficante”, afirma Maronna. “Ele também reconheceu, mostrando números, que não apenas a polícia, mas também promotores e juízes consideram que brancos são usuários e que pretos, pobres e analfabetos são traficantes. Ou seja, o estado brasileiro promove uma injustiça em massa”, segue o advogado.
“Mas o voto do ministro Alexandre, seguido por outros magistrados, foi muito ruim ao estabelecer a presunção relativa”, afirma ele.
Por ela, a pessoa com até 60 gramas de maconha é usuária —mas o policial que a aborda segue com a prerrogativa de analisar cada caso, julgando in loco, pelo local e pela circunstância, se ela está ou não comercializando o entorpecente.
Anotações de contabilidade, acondicionamento da droga, celulares ou balanças poderão caracterizar, por exemplo, uma situação de tráfico. “Ou seja, é a polícia que vai dar o tom. E ela vai perseguir quem? Os brancos, ricos e pós-graduados?”, afirma Marone. “Não. Valerá, como sempre valeu, o CEP, a cor da pele e ela, sendo desempregada, ter alguns trocados no bolso junto às drogas.”
A defensora paulista Fernanda Balera também faz as mesmas ressalvas à decisão que o STF deve tomar. “A polícia fará a análise, e o viés dela sempre foi, historicamente, racial”, diz.
Ela também critica o fato de apenas a maconha ser descriminada, afirmando que é enorme a quantidade de jovens pretos, pobres e analfabetos presos com pequenas quantidades de outras drogas. “Basicamente elas não portam maconha, e sim outros entorpecentes”, diz.
Fernanda Balera invoca pesquisa que mostrou que, entre setembro e novembro do ano passado, 841 pessoas foram presas na Cracolândia, em SP. “Algumas nem a droga [crack] tinham, apenas o cachimbo”, afirma. “Ou seja, uma abordagem que deveria ser de saúde se transforma em uma abordagem policial. Nenhuma delas recebeu tratamento.”
Ser considerado um criminoso, afirma ela, estigmatiza as pessoas e dificulta o acesso ao sistema de saúde.
Ministros do STF afirmaram à coluna que é preciso entender o contexto em que a discussão está sendo feita. Um deles afirma que a decisão do Supremo vai “incitar o debate sobre outras drogas”, e que a Defensoria deveria já estar se preparando para isso.
Um outro magistrado afirmou que os autores da ação estão certos ao mostrarem frustração com o resultado. “Mas, se ampliássemos o debate para outras drogas, não conseguiríamos maioria no STF e despertaríamos o antagonismo na sociedade”, afirmou. “Vamos começar com a maconha e trazer a sociedade conosco. Depois se poderá discutir as outras substâncias.”
Na semana passada, a presidente do STF, Rosa Weber, e o ministro Luís Roberto Barroso manifestaram concordância com o voto inicial de Gilmar Mendes, a favor da descriminação de todas as drogas.
Barroso, no entanto, ponderou que medida tão ampla seria de difícil absorção pela sociedade. E que era preferível, portanto, dar um passo de cada vez.
Mônica Bergamo/Folhapress
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