Racismo e pobreza levam a maior risco de infecção por HIV no Brasil
Um estudo feito com dados de mais de 28 milhões de brasileiros sugeriu que a cor da pele e as condições socioeconômicas estão associadas a um maior risco não só de contrair o vírus do HIV, mas também de morrer por complicações decorrentes do vírus.
O objetivo da pesquisa, publicada na última quinta (17) na revista The Lancet Regional Health, era tentar avaliar o efeito de determinantes sociais da saúde (DSS) sobre a incidência, a mortalidade e a taxa de letalidade. Para isso, os pesquisadores usaram dados de um período de nove anos.
O que encontraram foi um efeito forte em pessoas autodeclaradas pretas de incidência, mortalidade e letalidade relacionada à Aids. O achado é semelhante ao encontrado em países de renda elevada.
“O maior risco é considerado uma consequência do racismo estrutural, incluindo desigualdades raciais de acesso e a qualidade dos serviços de saúde”, apontam os pesquisadores. Não há evidência de fatores genéticos que possam explicar tamanha diferença encontrada na população preta, dizem os cientistas.
“Assim como em outras partes do mundo, o racismo estrutural também se manifesta em piores condições de moradia, menores salários, e piores condições de trabalho, perpetuando ainda mais as desigualdades raciais e sujeitando as pessoas a piores desfechos relacionados ao HIV”, escreveram os autores do estudo.
Outros determinantes sociais da saúde também se mostram correlacionados aos três desfechos analisados. Por exemplo, baixa renda pode ser um limitador de recursos socioestruturais, o que pode estar associado à exclusão social e insegurança alimentar, todos potenciais pontos de barreira de diagnóstico precoce, início de cuidados e aderência ao tratamento do HIV/Aids.
Educação é outro fator. Isso pode ser explicado pelo simples acesso a informações de saúde e também pela habilidade de agir sobre a própria saúde. Os cientistas dizem que pesquisas anteriores já mostraram que pessoas com menor acesso à educação tendem a estar mais expostas a comportamentos sexuais de maior risco, têm maior risco de diagnóstico tardio de HIV/Aids e costumam ter menos acesso e aderência a terapias antirretrovirais.
“Ninguém fala de educação sexual, principalmente em locais periféricos”, afirma Álvaro Furtado da Costa, infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do CRT DST Aids-SP, que não participou do estudo.
Segundo os pesquisadores, toda a cadeia de eventos relacionados a Aids é influenciada pelos determinantes sociais da saúde. Eles dizem ainda que os piores desfechos relacionados a Aids estão relacionados a desigualdades sociais, o que impede o progresso para o fim da epidemia de HIV/Aids.
O estudo traz evidências de que o investimento em redução de desigualdades sociais deveria ser promovido juntamente a intervenções médicas e comportamentais. “Sem a implementação de intervenções significativas para melhorar DSS, há o risco que o atual aumento nos níveis de pobreza e vulnerabilidade social —em parte por causa da pandemia de Covid-19, os efeitos da Guerra da Ucrânia e a crise global de inflação— possa reverter o progresso das últimas décadas na luta contra o HIV/Aids”, afirmam os cientistas.
O QUE É NOVO NO ESTUDO
As associações mostradas pela pesquisa não são novidade. O estudo, porém, foi feito sobre uma maior base de dados. Segundo os autores, trata-se da primeira pesquisa abrangente em tal escala na questão do HIV/Aids para um país de renda baixa ou média, como é o caso brasileiro.
Vale ressaltar também que as associações observadas não são exclusivas do HIV/Aids. Costa relembra, por exemplo, como a Covid afetou desproporcionalmente as esferas mais pobres do Brasil.
Os resultados mostram uma história clássica das doenças infectocontagiosas, diz Costa. “As pessoas não fazem muita coisa para resolver. Qualquer doença infecciosa morre mais preto, pobre e periférico.”
Apesar de o Brasil ser um exemplo de combate ao HIV/Aids no contexto mundial, há ainda grandes desafios de gestão pública de saúde para serem endereçados, diz o infectologista do Hospital das Clínicas da USP.
COMO O ESTUDO FOI FEITO
A pesquisa publicada no The Lancet é retrospectiva, ou seja, usa dados registrados anteriormente e que foram acessados pelos pesquisadores.
Os dados, referentes ao período de 2007 a 2015, dos mais de 28 milhões de brasileiros foram selecionados em meio às informações presentes em outro estudo chamado “Cohort Profile: The 100 Million Brazilian Cohort” (Perfil Coorte: A Coorte com 100 milhões de brasileiros), publicado há poucos anos no International Journal of Epidemiology.
A base de dados utilizada reúne dados do CadÚnico (Cadastro Único), todos os diagnósticos de Aids presentes no sistema do Ministério da Saúde e as informações sobre mortes no sistema nacional. Foram consideradas para a pesquisa pessoas com mais de 13 anos.
Phillippe Watanabe/Folhapress
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